A minha mãe não me autoriza pornografia em casa

A Dama que Decobre o Seio, Tintoretto


A minha mãe descobriu, a semana passada, os meus posters de Adão e Eva, de Durer, numa parede do meu quarto para onde não esperava que olhasse. E não se conteve, que eu tenho 47 anos mas estou em muito boa idade para aprender. Olha lá, Isabela, o que estão aqui a fazer este homem e esta mulher nus? Lá lhe expliquei que eram os nossos pais, Adão e Eva, sobre quem o padre tanto discursa na missa. Respondeu-me, não parecem! Acerquei-me das imagens e mostrei-lhe, estás a ver a maçã?, e a serpente?, e as folhas que cobrem o sexo de cada um? Mãe, isto é uma pintura encomendada pela Igreja, para uma igreja. Oh, oh, não querias mais nada! Um quadro destes num lugar sagrado! E foi-se embora resmungando que não devia ter nus no quarto, que não parecia bem, que, mais grave, não estava bem, e que eu piorava dia-a-dia na loucura sem remédio que herdei lá da família do meu pai, que eu saía bem ao meu pai, toda a gente sabe. Quando me quer criticar, a minha mãe compara-me sempre ao meu pai, que esse é que tinha defeitos todos.

Tenho agora um outro poster de Tintoreto que também penso expor algures onde possa ter lugar. Trata-se de A Dama que Descobre o Seio. Talvez o pusesse no quarto de hóspedes, que um dia será o do meu filho. Mas enquanto a criança não vem a vida tem de seguir o seu curso.
Por outro lado, não sei o que fazer, porque a minha mãe dorme sempre no quarto de hóspedes, e receio que se desgoste ao pensar que, com tantos nus em casa, talvez a sua filha, a sua única filha querida sofra, afinal, daquela parafilia dos viciados em pornografia que às vezes dão a cara nas reportagens da televisão.

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