A verdade é insuportável

Adoraria chamar a este texto “You can’t handle the truth”, mas o contexto da cena é diferente, o maldito teme é que me fascina.

 As pessoas convidam especialistas para os ouvir e no final colocam as suas dúvidas. A maior parte delas têm a ver com realidades que as incomodam, que as ferem, que não compreendem. Mas ouvem a resposta e continuam iguais. Nada muda.

 O obstáculo ao esclarecimento da dúvida está em que as pessoas não querem realmente ouvir as respostas. Não estão preparadas. Não conseguem digerir, isto é, não conseguem transformar.  Aceitar. Viver com. As pessoas querem ouvir as respostas que confirmam o seu incómodo. Que o valida. Precisam de algo que as mantenha no lugar onde estão, que lhes dê segurança. Algo que não as catapulte para um espaço vazio. Um espaço novo. Um nada que começa a ser enchido, mas ao qual não se vê ainda a forma.

Ouvir uma resposta não é um ato mecânico que envolve apenas o ouvido interno e os neurónios. Ouvir implica processar conteúdo no intelecto e na consciência. E provavelmente também na alma, esse espaço obscuro no qual poucos se aventuram. Simultaneamente. 

 A cultura dos grupos não é favorável ao esclarecimento de dúvidas. Aliás, constitui fronteira. A cultura vive da transmissão de memes e de temes. Estes são úteis para transmitir o conjunto de conhecimento que o grupo partilha, mas não inovam. Os memes/temes favorecem a união/comunhão. Aquilo que vem de novo desorganiza, desagrega. Por isso é que que se diz que em Roma devemos ser romanos. Devemos proceder de acordo com aquela cultura. Para sermos aceites. E é também por isso que a inovação provém dos seres culturalmente difusos que não conseguem enraizar-se em cultura alguma. Onde existe menos pertença existe mais capacidade de transição. Mais transportabilidade.   

Concluindo, as culturas querem muito ouvir os especialistas, mas preferem que eles fiquem calados.

 



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