Da insatisfação permanente

- Oh, senhor Vieira, o senhor quer salada - gritava a cozinheira do canto de onde provinham os vapores a óleo muito frito.
- Não, que eu não sou grilo!
- E hortelã, quer que lhe ponha umas folhinhas de hortelã?!
- Não, não que eu gosto é do borrego.

O homem que não era grilo e gostava era do borrego estava na mesa atrás da minha, não dizia nada cujo sentido ultrapassasse a objectividade de uma bola de futebol, e eu pensava, que besta quadrada, que bestas quadradas são estes homens, com excepções meramente residuais, e como é que eu poderia viver com um individuo destes sem cometer hara kiri na praça municipal, ao domingo à tarde, à hora das famílias?!

Juro que pensei tudo isto no maior silêncio, enquanto rosnava mentalmente, e que só me dignei ver-lhe a tromba quando me levantei para pagar.

Vim para casa procurar alívio para uma dor ferrada na anca, estender-me no sofá, ver um dvd. A personagem masculina do filme era um homem interessante, em luta com o sistema, mas que se vê obrigado a mentir para sobreviver, logo, a entrar no sistema. E havia aquele amor de dez anos pela mulher com quem vivia. Eram amigos, eram próximos. Não havia entre eles nada de muito erótico, apenas uma partilha, uma amizade como a que tem os amantes quando passa a vertigem do sexo.

E pensei que queria uma companhia assim. Por dois segundos, até admiti que os homens têm uma força anímica formidável, um sentido prático das coisas que me fascina, uma capacidade para solucionar problemas que me espanta. Deixei que me passasse pela mente a muito evitável ideia de que seria bom viver uma relação sem hara kiri diário, com um bebé dito normal, tudo conseguido segundo as normais sociais vigentes, e tal como o vulgo considera bonito.

As pessoas nunca estão satisfeitas. Eu não conheço nenhuma. Se alguém olhasse de fora para a minha vida diria que tenho uma boa vida. Eu própria olho de fora para a minha vida e considero que, tal como está, não está mesmo nada mal.

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