Fígado de porco

O meu primeiro aborto saiu-me pela boca do corpo como um grande fígado de porco cortado aos bocados. Acordei na minha cama ensanguentada, e ao levantar-me, involuntariamente, o meu corpo expulsou litros de sangue coagulado, ainda fresco. Era tão bonita essa carne vermelha, que era apenas sangue. Fiquei com aquilo nas mãos. Eram muitos bocados. Rosas de carne viva que iam saindo de mim conforme caminhava pela casa, deixando um rasto de sangue, como se o útero regurgitasse sozinho por ter bebido demais na noite anterior. Talvez eu tivesse bebido demais na noite anterior, não me lembro. Depois abortei outra vez mais devagarinho. Era só um fiozinho de sangue nas cuecas, uma coisa de nada, e percebi logo que havia outro figado de porco pronto a sair. No hospital, rasparam-me o útero com uma navalha, e eu senti, rasp, rasp, rasp. Era o meu fígado de porco a ser retalhado, e não me deixaram vê-lo na bacia de metal. Devem ter queimado tudo na incineradora do hospital, e saido em fumo pela chaminé, como os condenados em Auwschwitz . Podiam ter-me deixado trazê-lo para casa, para um arroz de cabidela. Ao menos, que o fritasse para as cadelas. Com tudo isto vim a descobrir que sou uma excelente produtora de figado de porco.

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