Unhas de gel com terra

A mim interessam-me assuntos como as batatas.
Estive a ver uma reportagem sobre o assunto. Parece que em França lavam as batatas para as tornar mais apelativas ao consumidor. Parece que as armazenam em grandes superfícies, onde as gaseiam para que não grelem, e possam vender-se como novas muitos meses depois. Em França, os agricultores têm um catálogo que explicita as espécies de batata que podem cultivar-se em cada ano. Digamos que o cultivo da batata, em França, não é livre, e se nos apetecer plantar a espécie Mordome em lugar da Agatha, pode aparecer-nos a polícia lá na plantação.
Depois, claro, há ainda os pequenos agricultores, que para os critérios portugueses são todos grandes, os que vendem nos mercados ao ar livre belas batatas de pele fina, e ainda com terra. Vir envolta em terra é garantia de qualidade para o conoisseur da batata, que sabe bem que a produção industrial a lava e abrilhanta.
Mas no meio de tudo aquilo, o que me impressionou mesmo foram as unhas da vendedora do mercado. Tinha a minha idade. Era loura, magra e bem vestida. Manuseava as batatas terrosas com as unhas de gel, longas, pintadas de branco, com piercings brilhantes. Agarrava nelas com a mão cheia, raspava-lhes a pele com a extremidade larga da grande unha postiça e bem tratada, explicando ao repórter o que era uma batata nova, e perguntava, combien de quilos? Tudo com as unhas de gel, que eu, obsessivamente, via cheias de terra do lado interior. E foi essa imagem estranha, algo pósmoderna, que me prendeu. As unhas longas, de gel, com piercings de diamante, todas cheias de terra das batatas na face escondida.

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