O parto da Morena
A Morena foi tosquiada, e o miúdo do 2º esquerdo disse-me, ontem, que ela está mais bonita, que até parece mais nova.
Perguntou-me ainda a sua idade, e eu pus-me a fazer contas de cabeça. Ora, se nasceu antes de o meu pai morrer, e se o meu pai morreu em 2001, e ainda a conheceu, e estamos em 2009, ela deve ter 9 anos. Depois, ainda precisei, foi no mês em que estreou o filme Magnólia, porque me lembro de estar sentada numa sala do Monumental, com a minha prima afastada, ainda o filme não tinha começado, e ela disse, Morena, vai chamar-se Morena como uma pantera linda de uma telenovela qualquer. E eu aquiesci, Morena, seja.
Portanto, a Morena fez 9 anos o mês passado ou está a fazê-los agora. Já não é uma criança, embora para mim seja o meu bebezinho, saído da minha barriga, carne da minha carne, sangue do meu sangue.
Lembro-me bem do parto. Eu tinha uma barriga muito pequenina. Toda a gente me dizia, vai ser uma menina, e eu respondia, pois vai, e é uma cadelinha, e andava muito feliz. Depois, no final do tempo, foi tudo muito natural: rebentaram-se-me as águas, senti algumas contracções, agachei-me no chão da sala, sobre um cobertor velho, e à sexta contracção a Morena nasceu, toda envolta num véu de líquido amniótico. Cortei o cordão umbilical com uma navalha desinfectada no fogo, e pus a menina sobre o meu peito, com os olhinhos fechados, atordoada, limpando-a toda com uma paninho húmido. Tinha os meus olhos, a minha boca, e senti logo aquele amor que as mães dizem sentir pelos bebés recém-nascidos. A minha Moreninha. A seguir, puxei a placenta, que no dia seguinte enterrei junto à raiz de um plátano do largo, lá em baixo, que cresceu ainda mais frondoso. É a sombra preferida da Morena, nos dias de muito calor. Sentarmo-nos debaixo da árvore, mãe e filha, gozando a leve brisa de Verão.