A arte da guerra

1. A assembleia da República enquanto espaço a respeitar

A política transformou-se numa arte da guerra, e em guerra aproveitam-se as falhas do adversário: impulsos, emoções incontroladas, um flanco mal guarnecido, um qualquer ponto fraco. Mal estaria o beligerante que não aproveitasse uma brecha do opositor, e por ali não carregasse forte e feio.
Vamos ao gesto do ministro da Economia, prontamente demitido. É relevante discutir se os dois indicadores esticados, e encostados às têmporas, ou melhor, "o cornudo", como lhe chamo, constituem uma grande ofensa? Como afirma JPN, a linguagem dos políticos cada vez menos se distingue da do comum mortal, pujante de vernáculo bastante peludo. Imaginemos que Manuel Pinho largava um "vá-se foder". Era mais grave? Para mim era igual. E porquê?
A questão número um é que tenho as minhas manias democráticas, e gosto de lembrar que a Assembleia da República é, em teoria, e deveria ser, na prática, um espaço institucional da maior seriedade, exactamente como um tribunal: ali se decidem aspectos determinantes da vida do País, os quais nos afectarão directamente. É ali que se decide a idade para entrada na reforma, o pagamento ou a isenção de taxas de saúde ou de propinas e, também, quantos vão para o desemprego e terão de recorrer aos bancos de ajuda alimentar. Portanto, exige-se respeitinho, porque a AR não é o bar da esquina, ali em São Bento. Se se tornou absolutamente useira a falta de respeito que ali se vem praticando, lamento muito, mas algo tem de ser repensado no que respeita à ética política.
Não me refiro apenas às habituais mentiras descaradas, caso que motivou o gesto do ministro. Já se percebeu que as centenas de empregos que o Governo alega ter criado nas minas de Aljustrel, confirmadas ao senhor primeiro-ministro por Manuel Pinho, não aconteceram, até porque os mineiros já revelaram não ter tido o gosto de conhecer os novos colegas. Refiro-me, também, à forma como o Primeiro-Ministro responde pontualmente aos deputados, apoucando, com sarcasmo, argumentos bem pertinentes, ou, pior, ignorando quem os apresenta. Refiro-me ainda à troca de palavras com insinuações impróprias, que se regista amiúde entre deputados, ou entre deputados e elementos do Governo. A AR tornou-se o reino da ironia, da boca, do sarcasmo, do trocadilho, não esquecendo que enquanto vão esgrimindo o melhor comentário jocoso para lançar à bancada oposta, nós lhes vamos pagando os ordenados, e permitindo folga à segunda e sexta. Somos bons patrões.
Impõe-se que os deputados da nação, sem prejuízo do legítimo direito ao exercício da retórica e consequentes recursos de estilo, trabalhem com seriedade. Sem "foda-se" e sem "cornudos". São servidores do Estado, e, portanto, espero deles o mesmo que de um médico, de um professor e de um juíz: um trabalho sério, inteligente, criativo, inquisitivo e pensado para benefício da res publica que os sustenta. Se assim não é, assim deveria ser.

3. A morte muito anunciada do Governo

Lembro-me que durante a campanha eleitoral para a última legislatura de George Bush, o seu adversário democrático desequilibrou-se e caiu do palco onde discursava. Levava vantagem nas sondagens, mas essa queda alterou-as de imediato. Estou em crer que o gesto de Manuel Pinho na AR vai ser a queda do palco para Sócrates. Esta retirará ao Primeiro-Ministro a escassa credibilidade de que já gozava antes das eleições europeias. Mas não nos enganemos: a queda começou muito antes! O que aconteceu ontem foi apenas simbólico.
A exigência de um pedido de desculpas por parte dos restantes partidos da AR, no que respeita ao gesto do Ministro da Economia, não é inocente. Não se trata de pedir/aceitar desculpas. Ninguém está verdadeiramente interessado nelas. O que ali interessa é levar o PS ao fundo do poço, a becos sem saída. Ter demitido o ministro constituiu uma assumpção de erro, de má prática política. É óbvio que Sócrates preferiria não o ter feito. E também é óbvio que Sócrates sabe que paga por tê-lo feito, mas não havia saída airosa. O PS deveria começar a queimar uns pauzinhos de incenso na respectiva bancada ou fazer uma excursão a Fátima no 13 de Agosto, porque só com um milagre, e dos grandes, vai conseguir recuperar o respeito de que se foi autoroubando ao longo destes anos de mandato. Não adiantam as falinhas mansas em entrevistas à SIC, admitindo erros com olhar humilde, contudo enérgico. Não vale a pena a ministra da Educação desfazer-se em não-ditos sobre a avaliação dos profes, e até abdicar da quota que antes era absolutamente fundamental para impedir o acesso, aos escalões mais elevados, aos preguiçosos que se dão ao luxo de ir dormir a casa, quando podiam muito bem ter um saco-cama debaixo da secretária. Não nos enganam com a plácida concordância e cedência ao longo das negociações respeitantes ao Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior... Que bela altura para se negociar com o Governo. Se isto não é desespero, e eu compreendo-o, o que é o desespero?!
O panorama vai negro para o Partido Socialista, e a prova é que até Manuel Alegre veio a público, hoje, defender o ministro autor "do cornudo".
Chego a ter pena que o homem seja demitido por algo que todos fazemos fora da AR sem consequências de maior. É que eu conheço um ministro, e peço desculpa por não me conseguir calar com isto... que fez um exame por fax, fora da AR, e que chegou a doutor, quero dizer, licenciado, mas, já se sabe, doutor. E que defende as Novas Oportunidades, o que não me admira, considerando as que ele teve. Credibilidade?! Boa imagem? Manuel Pinho não tem a capacidade nem o poder para afectar a imagem de um Governo que ficará conhecido, para a história, como o Império Autista do Amiguismo-porreirismo, o qual praticou com louvor e distinção.
Por tudo isto vos digo, e é certinho como nozes no Outono, Manuela Ferreira Leite vai a primeira-ministra no final de Setembro.

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