Minha culpa

Isabela, 2009 [a minha imagem inadvertidamente reflectida no écran da tv]

Se Deus me conceder a longevidade dos meus antecessores, terei, no dia de hoje, vivido metade da minha vida. Impõe-se um balanço de arrependimentos.
Arrependo-me de não ter vivido as experiências que me proibiram.
Arrependo-me de não ter engravidado aos 15 anos e depois aos 17, sem fazer ideia sobre quem era o pai.
Arrependo-me de não ter aprendido a fumar só porque dava estilo e toda a gente o fazia.
Arrependo-me de não ter tomado comprimidos até espumar da boca, para me considerarem problemática. Tem sido difícil sobreviver problemática mas sem diagnóstico.
Arrependo-me de não ter sido uma filha que dá desgostos aos pais, que chega tarde, que desobedece, que chumba ano após ano com louvor.
Arrependo-me de ter recusado charros e toda a espécie e drogas que se consumiram ao meu lado, só porque achava que era superior a isso. Gostava de ter vivido a revolução do lsd nos anos 80, de ter fumado todos os charros que F fumou, e de termos fornicado mais, muito mais que nem coelhos, sem nos lembrarmos do dia seguinte. E gostava de ter tido paciência para lhe aturar as paranóias, porque andava a foder uma mulher cinco anos mais velha, grande coisa!, e de lhe ter aparecido na igreja, no dia do casamento, e ter dito, senhor padre, há um grande impedimento.
Arrependo-me de ter ido trabalhar na fábrica em lugar de andar por aí aos caídos, para que os meus pais me sustentassem até ter sucesso, até vender um livro ou coisa assim.
Arrependo-me de ter sido responsável e coerente e orgulhosa, e de pensar no futuro, porque o futuro é uma merda.

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