A culpa foi do carro

O primeiro carro que conduzi foi um Renault 9 dum modelo muito em voga nos anos 80. Era um belo carro espaçoso, vistoso, e guiava-se bem. Depois, o meu pai estampou-o e mudou para um Renault 19 Chamade, cinzento-escuro e pesadão, de volante pequeno demais para o meu gosto. Nunca gostei do Chamade. Que tractor!
Quando comprei o meu primeiro carro, em 1993, o meu pai aconselhou-me um Opel Corsa. Era um carro alemão, e num carro alemão podia sempre confiar-se, explicou-me. Pareceu-me bem. Queria um em azul-céu, metalizado, mas acabei por me deixar levar por um azul-escurinho discreto. Escuro e discreto são dois adjectivos que só muito vagamente se relacionam com os aspectos fundamentais da minha personalidade, mas o Corsa portou-se bem. Nunca me deixou ficar mal. Troquei-o, porque me convenceram que estava na hora de o fazer, para "evitar perder dinheiro". Conversa dos anos 90. Como se eu não fosse especialista, com louvor e distinção, em deitar dinheiro pela borda fora, cheia de boas intenções. Tenho muitas saudades do Corsa azul. Ficou-me atravessado. Durante muitos anos passei frente ao stand onde o abandonei, para ver se o descortinava no estacionamento dos usados-seguros, mas nunca tive essa felicidade. Nunca mais encontrei o meu Corsa azul em nenhuma estrada.
Quando passei para o segundo carro, resolvi mudar radicalmente. O meu pai ainda era vivo, e aconselhou-me novamente. Argumentou que em equipa vencedora nunca se mexe, pelo que comprei um Opel Corsa Swing em verde-escurinho discreto. Queria um em verde-alface, mas não havia. Teria de esperar muito tempo, talvez meses, de maneira que lá levei o verde-escuro, pouco convencida. A nossa relação não foi totalmente satisfatória, o que penso ser culpa minha. Nunca o valorizei realmente, nunca lhe dei o reforço positivo que merecia, tudo por causa daquela cor de velho, irritantemente discreta. Ainda nos aguentámos dez anos, e, no fim, confesso, a separação não foi indolor, mas saudades, saudades, tenho do outro, do azul-escurinho.
Hoje, no estacionamento do Almada Fórum, encontrei o Corsa Swing verde-alface dos meus sonhos. Era aquele. Fiquei a admirá-lo. Saíram poucos dessa cor. É raro verem-se. Que lindo!
Pensei que se tivesse comprado um Corsa verde-alface, na altura em que me impingiram o verde-escuro, teria sido muito mais feliz. A minha vida teria sido completamente diferente e hoje seria outra mulher. A culpa foi do carro.

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