Ferro-velho

O rio, 2009 [foto obtida a partir de imagens televisivas]


Estou a ver como se chega lá. Corta-se à esquerda à saída de Alcácer do Sal. A estrada segue entre casas até se transformar num caminho de terra que desce em direcção ao rio.
Sai-se do carro, aproximamo-nos da água e escutamos os ruídos do fim da-tarde. O piar obsessivo dos pássaros que se recolhem. A brisa que sacode as canas com um barulho de papel amarrotado, assobiando surdamente entre o canavial. O trinado fresco, jovial, das águas mansas quando chocam nos arbustos da margens. Insectos baixos que zunem à volta dos nossos corpos mornos. Um peixinho de prata salta, além, mal se viu. Atrás de nós, sobreiros frondosos tornam aquela margem muito escura. O sol baixa cada vez mais e, na escuridão, vislumbra-se ao meu lado direito uma zona de ferro-velho. Máquinas enferrujadas, abandonadas. Electrodomésticos acabados, mas também bocados de carros, de camionetas, televisões antigas, bidões. Tudo feio, amolgado, destruído. A terra do chão, na zona do ferro-velho é suja e oleada. A água do rio também ali chega, mas não transborda a margem, não pode lavar aquele lugar tão imundo.
Desejo meter-me pelo meio das peças velhas e enferrujadas porque acho que lá encontrarei alguém que conheço. Sinto que alguém me olha de lá. Sinto que não estou só. Contudo, cai a noite, tenho medo de qualquer coisa que não posso explicar. Por isso, abondono a margem do rio, meto-me no carro, e vou-me embora com pressa.




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