Não, não como

Animal, 2009 [foto obtida a partir de imagens televisivas]

Estava a contar-me que tinha ido às festas de Barrancos. Se eu já tinha assistido. Respondi que não e que nem tinha planos futuros para tal visita. Percebeu que a ideia dos touros não me agradava. Desculpou-se que aquilo era mesmo tradição, e que qualquer pessoa que por lá passe, percebe que aquela cultura está entranhada nas pessoas, novos ou velhos. Ocorreu-me dizer-lhe que também era tradição as mulheres não poderem trabalhar fora de casa sem autorização do marido, e que hoje, pelo menos no Ocidente, isso mudou. Que a tradição não é necessariamente um valor a seguir. Quer dizer, que a culturazinha pode alterar-se, querendo.
Depois disse-me que pelo menos os touros, em Barrancos, não ficam a sofrer esperando que o veterinário municipal os venha abater, e que a carne do animal é posta à disposição das pessoas. Carninha da boa. Argumentei que não como carne. Nem de touro nem de vaca nem de borrego nem de porco nem de javali nem de cabra nem de carneiro nem de ovelha, e a lista ia longa. Isso deixou-o visivelmente atarantado. Caramba, assim não era possível dialogar. Fez silêncio durante um minuto ou dois enquanto fumava debruçado na varanda e depois não aguentou mais:
- É que se não comêssemos carne seria impossível arranjar alimentação para todos, porque uma agricultura para tantos biliões de pessoas é insustentável para o planeta. Morreríamos se fome.
Tentei responder:
- Mas isso de comer muita carne é coisa recente. Os nossos antepassados, embora menos numerosos, não dispunham da carne que hoje existe. Comer carne era um luxo. Matava-se um porco para o ano inteiro numa família de seis. Comia-se uma galinha no Natal.
Na Ásia, por exemplo, uma larga faixa da população é vegetariana desde tempos imemoriais. Sempre foi. E a terra sempre os sustentou bem. Mas para mim o problema não reside na carne que se come, mas na industrialização da criação e morte dos animais. É uma questão de dignidade, de ética.
- Os outros não vão deixar de comer carne, portanto vai tudo dar ao mesmo. Para que serve o teu esforço?
- Os nossos valores não podem subjugar-se ao que é mais útil, mais fácil. Se acreditamos num determinado princípio, a nossa acção tem de reger-se pelos comportamentos que o respeitam.
O facto de outros não pensarem e não procederem como eu, não desmerece a minha posição. Mas, enfim, não pretendo convencer ninguém. Isto não é um apostolado.
- O chato é que tinha descongelado umas febras para o jantar. Não comes, pois não?

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