Palhaça fora do circo

Paula Rego


Estou arrependida de ter afirmado que a Paula Rego era uma tia. Continuo convencida de que recebeu muitas influências, e as manteve, mas as pessoas não têm culpa dos condicionalismos nos quais são ensinadas a viver.
Li uma entrevista dela à Pública e gostei muito. Parece-me um bocado fora do mundo, da linguagem, das conveniências. Diz muitos disparates, isto é, inconveniências. O que não se diz. Hoje, num telejornal, explicava ela à Maria Cavaco Silva - visivelmente encavacada, mas muito oficial - que a mulher do quadro estava a morrer e apenas se preocupava em puxar a saia para esconder o rabo, porque as portuguesas preocupam-se, em primeiro lugar, em esconder o rabo. Pronunciou rabo umas três vezes e a Maria Cavaco Silva tremia de medo do que poderia ouvir a seguir.
Bem, na tela não vi mulher alguma a morrer, ou melhor, morrer, morria, mas de prazer. E segurava a saia porque se contorcia dentro dela, e era o que pretendia esconder, esse acto.
A Paula Rego diz que gosta muito de vestidos, por isso, hoje, na inauguração da Casa das Histórias, usou um todo em fantasia, com grandes e vivas pinceladas roxas, de saia em balão. Um vestido horrível. Um vestido de bruxa que não podia assentar-lhe pior. E foi isso, acho eu. Foi essa a gota de água que me fez gostar dela. Essa total disponibilidade para ser uma palhaça fora de circo, e não se importar, nem pensar nisso, nem sequer se lembrar.

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