Tristeza alegre

Antigamente, carregava a minha tristeza para todo o lado nas veias dos braços. Quando batia às portas podiam ver-se inchadas, quase a rebentar, mas ninguém parecia reparar. Falavam comigo como se os meus braços fossem perfeitos, como se não vissem as minhas veias roxas, salientes, como se aquilo não estivesse ali ou pensassem que eu não queria que reparassem no que estava ali. Mas queria. Se alguém, nesses dias, tivesse realmente reparado na minha tristeza... teria sido igual. Era um cancro que me minava, mas que não sabia nomear. Poderia gritá-lo. Se quisessem. Ou mesmo que não quisessem, alguém ouviria esse grito, a certa altura; saía, não podia fazer nada.
Com os anos a minha tristeza mudou. Agora, transporto-a nos rins, o que me permite livrar-me dela várias vezes ao dia. Foi amansando. Domesticou-se. Já vem à mão. Diria que se tornou alegre, come e dorme sem dar problemas. É uma tristeza que aprendeu a sorrir, que se aceitou. Do género, pronto, sou um cancro, e depois?!, não podemos ser todos iguais e eu não sou um cancro mal feito. Estou em crer que até lhe ganhei afecto, tal como à cicatriz da mama direita. Nem as distingo. Uma é a outra, porque isso das cicatrizes, para mim, são partes do corpo como os ovários, ou aquela costela flutuante que se pode mandar serrar em nome da elegância. Não servem para nada, contudo compõem o conjunto.

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