Se fossem todos à merda....

Há dias em que tenho saudades de ser velha. Gostava de me levantar tarde e mal disposta - bem, isso não seria novidade... mas levantar-me tarde e mal disposta e mandar todos à merda, porque os velhos podem mandar todos à merda. Ah, estás gorda! Vai à merda! Ah, estás despenteada, pareces uma mulher das barracas! Vai à merda! Ah, essa blusa fica-te mal porque está muito apertada ou muito larga! Vai à merda! O que eu queria era deixar-me andar por casa a ler, escrever e petiscar, e só saísse se tivesse mesmo de ser. E se fosse para sair, que não tentassem levar-me para as salas muito puras que não quero frequentar, como as que existem nas honestas casa de família, e coisa assim.
Fazer sala?! Fossem à merda! O que eu havia de querer era cinemas e teatro e danças e antiquário e alfarrabista e lojas de roupa para velhas gaiteiras, e sentar-me nos bancos de jardim com passarinhos aceitando as minhas migalhinhas, e falar com os cães na via pública, e ocupar espaço em cafés sem música nem tv, só com pessoas dedicadas a ler o jornal, a resolver palavras cruzadas ou jogando às damas, entre outros. Que não se metessem comigo, mas me deixassem ouvir conversas interessantes. Se não fosse exigir muito, conversas bonitas. Queria ser velha sabendo que ia morrer, mas que isso não era urgente nem deixava de ser. E que, até lá, tinha todo o tempo para ser livre como nunca foi possível - consciente de que tinha sido infinitamente mais livre que muitos! Queria ser velha para ser livre, para ser muito mais livre, de preferência a liberdade toda, e usar uns chapéus que tenho cá em casa, e que certas pessoas dizem que me ficam ridículos... Se fossem todas sucessivamente direitinhas à merda....

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