Debaixo da terra abaixo do Sol

Bichos, 2009 [imagem obtida fotografando um vídeo visionado no computador]

Estamos sozinhos e tomamos conta do nosso corpo e consciência. É preciso estar atento, porque ninguém olha por nós. Somos a nossa própria defesa e garantia. Não existe uma alma a quem possamos interessar. A questão é que não valemos nada. Se valêssemos, alguém nos teria deitado a mão, ou não é verdade?! Tinham-nos puxado por um braço e dito, "acolhe-te aqui". Por isso, convém não fazer ondas, ir aguentando, comendo, fazendo o que nos mandam, o que esperam de nós, calar as infâmias, passar despercebido, caminhando rente às paredes, em público e em privado. Somos como os bichos e sentimo-nos próximos deles; compreendemos a sua destituição. Quem haveria de querer escutar-nos?! Somos zeros. Não temos voz. Vivemos porque respiramos, e isso não nos podem tirar. O corpo aguenta e a alma há-de resistir. A bem ou a mal há-de sair com vida, embora não ilesa. Ilesa é impossível, porque entretanto se quebrou. Sim, sim, qualquer coisa já não é o que era. Soltou-se uma peça, algures; sentimo-la chocalhar no estômago vazio. É engraçado como perdemos o medo no auge do perigo. O medo tem o seu lugar se ainda formos alguém, se ainda tivermos valor. Mas vamos percebendo devagarinho que não há lugar para nós dentro dos outros nem nos sítios por onde passamos. Medo de quê?! Quem é toda essa gente?! Que importância tem este lugar concreto ou aquele?! Existimos debaixo da terra abaixo do Sol. Havemos de escavar um túnel até à luz, mas agora não. Agora é cedo. Esperamos com paciência e força. Não temos lugar, ponto final, não precisamos que nos expliquem. Não temos e mesmo que um dia possa aparecer um cantinho qualquer, sabe-se lá onde, já não caberemos.

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