O clã

Pelas colunas dos comentadores políticos, a propósito do VaraGate, irrompem expressões como "o país surpreendeu-se com as dimensões de mais este caso de alegada corrupção", sendo que o substantivo corrupção surge sempre acompanhado do adjectivo alegada ou do advérbio alegadamente. A corrupção, no nosso país, mesmo que nos esborrache os sentidos todos, dificilmente passa de uma alegação.
Se calhar isto não interessa a ninguém, é só uma conversa cá com os meus botões, mas esclareço, seja como for: os casos de corrupção, e as dimensões dos casos de corrupção não me surpreendem, não me espantam, não me movem um milímetro. O que me espanta e surpreende e me leva às lágrimas é descobrir um político ou um empresário que lhe seja imune.
É público que em Portugal, políticos e empresários e presidentes de clubes de futebol e directores-gerais da administração pública são todos grandes amigos. Trocam números de telemóvel e usam-nos amiúde. Já o maile usam menos, porque o maile fica por aí escrito, mesmo que se apague dos discos do computador.
São amigos e não só: vieram das mesmas zonas do País ou de zonas limítrofes; andaram nas mesmas escolas; tiraram os mesmos cursos; passaram pelas mesmas empresas antes de chegarem àquelas onde estão; fazem parte de uma mesma rede de conhecidos; frequentam as mesmas festas e inaugurações. Eu só não diria que dormem todos com as mesmas mulheres, ou homens, porque isso é que já poderia ofender susceptibilidades.
O primeiro-ministro, por exemplo, tem um azar tremendo com as pessoas que conhece e com quem se dá. O magnífico reitor da universidade na qual se licenciou era de uma negligência administrativa aterradora; o primo que está na China a tornar-se mestre do kung fu fartou-se de usar o seu nome para conseguir negociatas; os amigos do partido, vêem-se envolvidos em casos de corrupção apanhados pela Lei. É preciso resistência para ir rasando tantas situações manhosas e permanecer incólume, de reputação intocada. É preciso ter as mãos muito lavadinhas, o que não é para todos.

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