Todos os gritos pela liberdade

Na minha escola estão a construir um muro de Berlim. Aquilo dá trabalho. Todo feito em caixas de cartão pintadas e grafitadas com reproduções que existiram realmente no Muro. Havia colegas a trabalhar naquilo até às tantas da noite, e miúdos, voluntários, a reproduzir grafitis, todos contentes, com autorização para grafitar naquela parede todos os gritos pela liberdade. Vim para casa toda atravessada pelo Muro. Quero dizer, pelo tempo. Já tinha escutado e lido, por aí, de raspão, que a destruição do Muro de Berlim, e a mudança do mundo que implicou, faziam 20 anos, mas a mensagem ainda não me tinha verdadeiramente tocado. Ontem, tocou.

A queda do muro abriu as portas da Europa e uniu-a, mas também expôs as feridas que o comunismo tratara de camuflar. As que preexistiam e as que ele gerou. Tratou-se de um momento de libertação, de irreprimível mudança, e mudar é uma ideia especialmente produtiva. Mas esta mudança trouxe-nos também uma excessiva necessidade de protecção, que redundou num progressivo regresso a valores tradicionais, conservadores em algumas áreas da vida social e económica. A queda do comunismo [e, tal como era, ainda bem que caiu] mergulhou-nos num superavit de capitalismo, cujas consequências atravessamos no preciso momento. O nosso tempo de crise também será uma data histórica daqui a 20 anos.
Na prática, os regimes comunista e o fascismo capitalista pouco se distinguiram. Que diferenças existiam entre Portugal e a União Soviética dos anos 60? Bem, eles tinham educação para todos, é verdade, e aquecimento central gratuito em todos os edifícios urbanos. Mas o que fazer, depois, com a educação e o aquecimento, se não há liberdade de expressão nem de movimentos?! Quando estamos prisioneiros de um sistema?! De uma ideologia?! Eu preciso de liberdade para desejar viver. Pare desejar viver, não me enganei. Quanto mais livre sou, mais produzo, mais quero produzir. A liberdade acarinha-me.

Lembrar a queda do Muro é questionar o sistema no qual vivemos hoje e repensar a filosofia marxista. Não creio que o falhanço do comunismo tenha afectado a pureza do pensamento igualitário de Marx. Penso é que Marx teria de ser lido e adaptado à vida das nações, partindo-se de um caldo verdadeiramente democrático. Sem repressão. Sem medo. Sem corrupção. Sem troca de favores. E isso é que ninguém quer. Ninguém quer uma política limpa e justa. Ninguém imagina uma existência que não passe pela adoração ao dinheiro, mas o dinheiro, infelizmente, não é grande coisa. Pagamos todos muito caro por ele.

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