Ensaio 1

- Sabes, mãe, eu tenho um sítio na internet onde escrevo textos.
- Ah, é? Sempre tiveste essa mania de escrever.
- Pois. Então, eu tenho escrito uns textos de que as pessoas gostaram e resolvi publicá-los num livro.
- Num livro para vender?
- Sim, já está à venda nas livrarias e tudo.
- Não me disseste nada.
- Pois não. Não calhou. Não é uma coisa muito importante. São só uns textos a explicar como era a vida lá em Lourenço Marques, e depois como foi a independência, e isso.
- Fazes bem em contar. As pessoas têm de saber o que nós sofremos. E que perdemos tudo.
- Sim, falo disso. Mas também digo um bocado de mal dos brancos, porque tu sabes que os brancos não tratavam muito bem os negros.
- Bem, havia lá uns patrões que eram muito carniceiros. Mas o teu pai, não. O teu pai sempre tratou bem os empregados. Até os convidava para os paus-de-fileira, e eu às vezes comprava daquela carne de segunda, aos quilos, para a guisar para eles, com massa ou arroz, e encherem a barriga, bebendo vinho que o teu pai arranjava. Embebedavam-se todos, e depois o teu pai tinha de os ir distribuir pelas palhotas.
- Pois era. Mas o pai às vezes também lhes dava uns encostos, que eu via.
- Muito raramente. Só aos que eram mais rebeldes. Aos que não gostavam de trabalhar. De resto, o teu pai era até muito bom.
- É verdade.
- Então publicaste esse livro e não vais dar um à tua madrinha, e à Tita?
- Não, elas são capazes de não gostar.
- Gostam. Elas ficavam contentes.
- Oh, mãe, o livro tem as letras muito pequenas e aquilo só para quem tem bons olhos.
- Pois, mas podem ficar com o livro como recordação.
- Só te estou a contar isto, porque podia alguém dizer-te, e preferi ser eu a primeira a contar.
- Fizeste bem.
- E se te disserem alguma coisa do livro, dizes que não sabes nada, que isso são coisas minhas.
- Está bem. E é verdade. Sempre tiveste essa mania dos livros.

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