Jessicas

Chorava copiosamente, voltado para a parede, quando passei por ele.
- O que é que lhe aconteceu, Rui?, perguntei-lhe.
Não me respondeu. Chorava, chorava alto. Não se voltou. Perguntei ao colega, que o olhava impávido, o que poderia estar na origem de um estado de espírito tão desolador. Tinha sido a namorada. A namorada tinha acabado com ele.
- Mas, agora? Acabou agora?
Sim, tinha sido há poucos minutos atrás. Tinha acabado. E pronto. Fora-se embora.
E chorava agarrando a cabeça, despenteando os cabelos, inspirando o ranho que era muito.
- Oh, Rui, deixe lá isso. Não chore, rapaz. Ela acabou consigo hoje, mas amanhã já pode ser tudo diferente. Você fala com ela e compõe as coisas.
- Não, não há hipótese, ela disse que já não dava, que não queria mais. E foi-se embora. - disse-me isto tudo num arrasoado inundado de ranho, nunca parando de chorar.
- Pronto, foi-se embora, mas há aí muitas miúdas. Você arranja outra namorada rapidamente. As coisas resolvem-se. Não esteja assim, homem! Acalme-se, vá lá.
- Mas eu gostava dela. E ela foi-se embora, e ainda há dois minutos passou aqui e já se ia a rir.
- Deixe-a rir. Não interessa. Você é que não devia estar aqui neste choro, num lugar onde passa toda a gente. Depois vêem e vão contar-lhe. E olhe que o choro não convence ninguém a voltar com a palavra atrás. Mais vale você levantar a cabeça, puxar pelos galões do orgulho e passar por ela como se não fosse nada. Como se nunca tivesse gostado dela. Isso é que resulta.
- Eu quero lá saber que lhe vão contar - rebentou ele. - Até parece que só namorávamos há dois dias, mas não, a gente andava há... há 18 meses. - E chorando, com violência, arregaça a manga da camisola e mostra-me o interior do braço.
- Está a ver o que fiz por ela? - e chorava.
E eu vi. Na pele branquinha do braço, acima do pulso, desenhada com letra antiga, lia-se uma enorme tatuagem, muito bem feita: Jessica. Houve um momento em que hesitei. Uma tatuagem emudece, realmente. Mas não desarmei, que uma pessoa vai-se habituando à resposta rápida.
- Pronto, o que está feito, está feito, deixe lá ... e isso, agora, apaga-se tudo. Olhe a Angelina Jolie, quantas tatuagens já apagou? Qualquer dia faz-lhe outro desenho por cima e nunca mais se lembra. A vida é assim, o amor é pior, e toca a andar para a frente. E se não a quiser apagar, olhe, garanto-lhe que há por aí muitas Jessicas que de certeza gostariam de o ter como namorado.

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