Da importância das coisas

Tenho qualquer coisa de estupidamente inocente, o que aliás me costumam apontar.
Pensei que o livro sairia sem grande alarido. Seria só o meu livrinho; os leitores habituais compra-lo-iam, e, com um bocado de sorte, venderia razoavelmente. Tendo consciência da delicadeza de alguns assuntos ali abordados, e da enorme facilidade com que poderia ser mal interpretada, não me convinha grande estardalhaço. A minha ideia era que isto não passasse a esfera dos amigos e dos leitores, e de um ou outro curioso incauto sobre assuntos de África. Enganei-me à grande, outra característica que costumam atribuir-me: enganar-me exacerbadamente. Acabei de receber o pdf da capa da segunda edição. O barco navega.
No meio da confusão bem intencionada de familiares, amigos e conhecidos que escrevem, telefonam, e com quem me encontro, os quais acham imensa graça à ideia de me tornar escritora, e que até pensam que de repente me tornei uma pessoa mais interessante, com mais valor, mantenho intacto o meu oásis de paz. De realidade. A Micas continua a chamar-me de noite para a tapar, porque tem frio; a Morena vai para a cozinha quando escuta barulho de tachos; ambas me pedem mimos, e que faça o favor de sair da cama, porque está na hora de irem à rua; depois são horas de comer, e o ritual é o mesmo de sempre, comer, beber, dormir. Para as minhas cadelas continuo interessante da mesma maneira. Não ganhei nem perdi nada. E é através delas que prefiro avaliar a importância das coisas.

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