Um trapo seco

Foto: Pierre Auradon

Uma velha sentada à porta de casa num banco baixo. Toda de negro, dobrada sobre o ventre, segurando-o. Não lhe vejo a cara. Esconde-a com o lenço. Parece um monte de trapos aguardando quem o leve. É uma mulher. É a ti Bela. Lembro-me agora do seu nome. Procurava-o na minha mente e não vinha. Agora, vi-a cá dentro e lembrei-me. É a ti Bela. Vive na casa do filho. O único que lhe resta. Alimenta-a. Dá-lhe cama. De vez em quando, palavras azedas, como se não tivesse sido sua mãe. Desculpem-me, como se não fosse a sua mãe, para sempre. Palavras que dizem palavras como "tu não vales nada. És velha. Cortas as batatas e as couves para a sopa, e mal. És um trapo seco. Estás aqui porque tens de estar em algum lugar. Preferia mil vezes ver-me livre de ti, mas seria falado pelos vizinhos, por muito que desejem, todos eles, livrar-se dos seus velhos cheios de dores e fedendo a urina cediça; repetindo as mesmas conversas passadas, as mesmas histórias. Estás aqui por favor. E eu lembro-to, está descansada."
É a ti Bela. Eu assomo à porta. Digo, ti Bela, está um frio de lobos. É Janeiro. Digo, ti Bela, e ela levanta a cabeça, estica-a para fora do lenço como uma tartaruga que espreita. Tem a cara comprida e muito enrugada, queimada pelo tempo.
Bom dia, ti Bela, já aí está fora, a esta hora?! É o sol, rapariga! Temos de aproveitar o sol. Sorrimos uma para a outra. Tu és nova, ainda tens o sangue a ferver, rapariga. Tenho agora o sangue a ferver! Tenho é frio. Não, tu és nova e aguentas-te. Tens de te aguentar, rapariga. A gente tem sempre que se aguentar, que há-de vir pior do que o que temos. Oh, ti Bela, não há-de nada! Sorri-me. Depois tu vês. Mas tu aguentas-te, rapariga. És tesa. Não te dobram. Fazes bem. Aguenta-te, rapariga, aguenta-te.

Mensagens populares