Morrer de amor

Não se morre de amor nem de tristeza nem de falta, mas de depressão ou de intenso desejo de morrer. Ia para dizer, eu cá não acredito, mas corrijo: tenho a certeza absoluta. Se o senhor Pereira apareceu morto no hall do seu apartamento, num 5º andar da avenida Pinheiro Chagas, coisa de um ano após o desaparecimento da dona Emília, e não tinha nada, peço desculpa, mas alguma coisa tinha. Entupiram-se-lhe uns vasos na cabeça ou no coração, que o senhor Pereira andaria a comer mal. Ou envenenou-se-lhe o fígado ou faltou-lhe o ar, mas não me venham falar de mortes por amor. Ovnis existem, e fantasmas, e vampiros. Mortes por amor é que não, desculpem-me. Todas as mortes classificadas pela autópsia como de amor seriam evitáveis com a toma diária de 20 miligramas de sertralina, ou qualquer outra substância química receitada por um médico de família estagiário. Tomam-se analgésicos, antibióticos, anti-inflamatórios, anti-coagulantes, mas antidepressivos é que não; tem-se medo, evita-se, porque na cabeça não se mexe. Depois morre-se, ou pior, passa-se, porque não se lhes mexeu na cabeça. Um cérebro não tem nada de especial. É um cérebro. Tal como o fígado e os rins, precisa de tratamento quando precisa de tratamento. Eu gosto mais de antidepressivos do que de gelados. Sobretudo, têm grande utilidade.

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