Dentro da terra

A certa altura, Grenouille sente necessidade de se esconder e isolar, e procura um esconderijo na montanha, julgo que em Auvergne. Aí, encontra uma toca já escavada por animais, que aprofunda, e na qual hiberna. Vive dentro da terra, em transe, alimentando-se de raízes, nas raras vezes em que sai, e bebendo a água que escorre entre pedras. Vive na escuridão. Envelhece. Amadurece. E tudo à volta é pedra do início do tempo, e terra e ar. Passam os anos.

O Perfume, de Patrick Suskind, é um livro que aconselho aos alunos mais velhos que afirmam não gostar de ler. Nem sempre resulta, mas, de forma geral, a quantidade e qualidade da peripécia prendem a leitura, e a construção da personagem principal gera suficiente horror.
Gostaria de ser capaz de criar, um dia, uma personagem equivalente ao incompreendido Grenouille. Um criador de perfumes que ao nascer escorrega do útero para um charco de restos de peixe mal cheiroso - o fundo de uma banca do mercado, e procura pela vida fora uma ideia de beleza, de maravilhamento, que nunca tenha sido experimentado, criando uma droga feita a partir do que as pessoas verdadeiramente são.
Quando os alunos me perguntam qual a minha parte preferida do livro ficam sempre decepcionados. Não gostam. E não sei explicar-lhes muito bem por que gosto tanto, embora me esforce. O que nos leva a gostar de algo remete para a nossa vivência pessoal, para os nossos desejos e ambições, para o que tememos ou rejeitamos. Uma escolha é sempre um acto autobiográfico, e eu creio que a minha escolha do capítulo preferido de O Perfume, o seu refúgio nas entranhas da terra, não abone grande coisa em meu favor.

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