Leiam os meus livros às escondidas

O meu livro tem uma linguagem muito crua e algumas pessoas ficaram escandalizadas.
Qual linguagem? Cona? A cona das pretas? Deveria ter escrito como? Vamos lá ver as hipóteses possíveis:
1. As pretas tinham a passarinha larga.
2. As pretas tinham o pipi largo.
3. As pretas tinham a vagina larga.
4. As pretas tinham o orgão sexual largo.
5. As pretas tinham as partes baixas largas.
7. As pretas tinham a boca do corpo larga.
Nunca tive como propósito escrever um livro para crianças, e o Caderno é um texto literário, não um ensaio nem uma reportagem.
Mas mesmo que não fosse, chateia-me, na minha vida pessoal, ter de usar eufemismos, perífrases, metáforas ou vocabulário médico para designar realidades que a morfologia da língua portuguesa contempla exemplarmente.
Vamos agora ao foder. O meu pai gostava de foder. Tal como para cona, as alternativas são inúmeras, embora não satisfaçam os requisitos da minha intenção expressiva.
1. O meu pai gostava de pinocar.
2. O meu pai gostava do truca-truca.
3. O meu pai gostava de fornicar.
4. O meu pai gostava de ter relações sexuais.
5. O meu pai gostava de fazer amor.
6. O meu pai gostava de dormir com mulheres.
Não ofendamos mais o meu pai. O homem gostava de foder, valha-nos Deus! Era de foder, não de pinocar, nem de truca-truca nem de fornicar. E recuso-me a usar figuras de estilo para a função! Mudem de canal. Leiam os meus livros às escondidas. Não me peçam é para evitar a cona e a foda, palavras como outras, como garganta, boca, mão, teta, mama, barriga e coração.
Como é que uma cultura tão assente no prazer material, no prazer do sexo, enquanto ideologia, pode temer tanto os vocábulos com ele relacionados? É muito crua a minha linguagem? É natural. Sou uma pessoa objectiva. E pior, intensa. Não faço desvios, não navego ao largo. E isto, na nossa terra, parece mal. Falar, gesticular, pensar, ter opinião também. Oh, a minha mãe sempre me ensinou que os calados ganham mais. E ganham. Eu bem vejo que ganham, não sou é concorrente ao mesmo prémio. O que me faz feliz nem sempre é o que faz feliz os outros. Vou andando no rufar da vida. Não caminho ao seu lado. Estou inteiramente metida nela.

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