Um poço vazio

A minha fome é um poço vazio. Nada cresce lá dentro. Não é suficientemente húmido para hospedar répteis nem seco para agradar aos mamíferos, e a escuridão desencoraja as ervas que costumam crescer nos vãos de pedra. É um vácuo fundo, para onde atiro coisas velhas que já não prestam cá em casa. Velhas cadeiras, objectos que deixaram de servir ou se partiram. Cá no bairro não há recolha de monos, e uma pessoa tem de arranjar maneira de se desfazer das antiguidades sem estardalhaço, com um mínimo de trabalho. Poupar energia é o meu lema.
Está lá fora no quintal, perto das laranjeiras, essas, sim, bem viçosas, perfumadas, um regalo. As visitas perguntam-me, porque não acabas com aquilo?
Acabar como? Como é que se acaba com um poço vazio, que nunca serviu, que foi um erro na construção desta casa? Nunca houve água naquele lugar. Chamar-lhe poço é um exagero: um buraco escuro, isso sim. A ideia foi boa, mas nenhuma boa ideia sozinha garante a realização de um projecto. Se tivesse sido mais ao lado...
E as pessoas dizem-me, podias aterrar isto. Deitavas-lhe pedras para dentro, terra... alisavas. Esquece o poço, mulher! Respondo-lhes que não é assim. O que eu queria era enchê-lo de água. Descobrir um veio freático, talvez mais fundo, e ter ali água clarinha e fresca, musgo e fetos pelas paredes molhadas. Um poço não se aterra. Havia de lá ficar para sempre, mesmo aterrado. Um poço não se desfaz assim. Agora, água, isso é que eu queria. Posso chamar uma empresa e tentar de novo. Quem sabe se não haverá agora água para encher o poço da minha fome? Isso é que seria uma bela coisa.


Elizabeth Layton, Hunger, 1985

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