As ordens de cima

As pessoas sentem que não vale a pena lutar contra a reacção, como cantam os Homens da Luta. O que é hoje a reacção? Expliquem este conceito ao pintor de 34 anos que cá anda a tratar-me as paredes, e que hoje ouvi dizer ao servente, desempregado, "são ordens que vieram de cima". E, dito isto, o outro calou-se. As ordens de cima substituíram Os Dez Mandamentos. Matem, roubem, cobicem a mulher do próximo, mas por favor não questionem as ordens de cima, seja quem for que lá esteja.
Desde os primeiros tempos da pregação de Jesus Cristo que não se lutava em tão grande solidão. Quem luta hoje? Que armas existem? Ninguém adere a greves: precisam do salário para pagar a conta da televisão por cabo. E eu compreendo. Ninguém se manifesta consequentemente. Temos todos vergonha de sair para a rua a gritar. Um batalhão de fazedores de opinião dirá que não temos classe. Que o pouco que temos nos deveria ser negado. Custa-me admitir que os cartazes do PCP onde se lê "Não ao corte de salários" servem para nada. Também me aborrece deparar-me a todo o momento com exemplos da transferência formal e informal para o PS de um eleitorado habitualmente conservador.
O governo vende-nos a crise e nós não só acreditamos piamente como toleramos que nos roubem dignidade.
Não há qualquer coerência em planos de contenção que taxam salários. Taxem rendimentos de outra ordem; taxem as contas bancárias, os sinais exteriores de riqueza, confiram as declarações de IRS duvidosas, mas ir ao bolso de quem ganha para pagar as contas do mês é de uma vileza que me agonia. Eu sei nada de política económica, mas sei que não há moral em exigir-se a quem não tem.

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