O cadeado sobre o dia de trabalho

Encontrei esta excelente prosa numa caixa de comentários relativa a um poste recente do Arrastão. O autor dá pelo nick Causas Perdidas (comentário 32 e respostas).

"Quando era puto costumávamos fazer uma festa sempre que o nosso pai chegava do trabalho. Largávamos a brincadeira, desatávamos a correr de onde estávamos e saltávamos-lhe para os ombros cansados para o beijar.
Ainda hoje o beijo sempre que o vejo, em casa ou entre desconhecidos. Só que ele já não me "pega ao colo", chegou a minha vez de o fazer.
Regressemos. Sempre que beijava o meu pai, sentia-lhe um cheiro que se misturava com o do sabonete barato com que se duchava após ter deixado o fato-de-macaco no armário. Não era um cheiro desagradável. Era o cheiro do meu pai, pensei.
Uma dezena de anos mais tarde fui assaltado pela lembrança descontextualizada do beijo de boas-vindas ao meu pai, fechava eu o cadeado sobre o dia de trabalho. Só então percebi, mal disfarçado entre o aroma de um melhor sabonete trazido pelo 25 de Abril, que cheiro era aquele que me fez lembrar o meu pai. Era o cheiro da ferrugem."

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