Paris - diário de viagem 1

Canal de St. Martin


Chove em Paris. Que frescura! O Google diz-me que estão 36 graus em Almada e penso na minha mãe e nas cadelinhas. O calor não lhes faz bem algum.

Lá fora ouço homens falar português. Não percebo o que dizem, pelo que me debruço da janela atentando nas palavras. É russo.

Da viagem de ontem recordo o sobrevoo da cidade, descortinando, muito distintos, o Sena, a Torre Eiffel, o Trocadéro, e o Arco do Triunfo. Senti-me chegar ao centro do mundo, ou melhor, a um centro da Europa que constitui um centro cultural mundial.

À tarde, falei com um artista que acabara de pintar um enorme mural evocativo de As Flores do Mal. Pensei que fosse português. Falei-lhe em português. Era um jovem russo, relativamente bem parecido. A Rússia persegue-me. Explicou-me que a sua obra reportava para as relações homem-mulher, e realmente verifiquei que a composição incluia numerosas caveiras. A conversa prosseguiu por esse tema, tendo descoberto que o meu francês não está tão enferrujado como pensava. Quando lhe disse que o amor já não era para mim, o artista fitou-me nos olhos com atenção e respondeu-me que, pelo contrário, devo ser "uma mulher muito inspiradora". Fiquei aflita e pensei que afinal sou, tal como o meu pai, "só garganta". Finalmente, os meus amigos vieram salvar-me. Poderia ser uma linda história de amor? Duvido. Possivelmente, um empréstimo, a fundo perdido, a um jovem amante. Se não tivesse a prestação do carro poderia considerar.

À noitinha desci o Bassin de La Villete, lugar muito do meu agrado, em direção a Jaurès. Jantei num restaurante turco, excelente e barato, raro binómio, o qual os meus amigos conheciam. Ao longo do canal, à beira-água, milhares de pessoas piquenicavam sentadas pelo chão. Comiam, bebiam, conversavam e namoravam com uma descontração impossível de encontrar entre portugueses. Gilbert disse-me que se deverá ao facto de a memória da pobreza, em Portugal, ser ainda muito recente. A pobreza explicará a contenção, a timidez, o medo de parecer mal, mas creio que o caráter genético do meu povo conta em demasia. Somos tristonhos e, como se não bastasse, defendemos, sem pensar nisso, que a aparência é a essência.
Lá fora, alguém canta agora le vin rouge, le vin rouge, le vin rouge. Bela canção.

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