Paris - diário de viagem 4


Gosto de passar a manhã na cama usufruindo o silêncio da casa com as janelas fechadas, e procurando o lado mais fresco dos lençóis. Lá fora ouço motos e carros cujo ruído me chega amortecido. Paris é uma cidade muito barulhenta. Ou é o trânsito ou gente a mais. O barulho persegue-me, e Deus sabe como preciso de silêncio. Ontem, saída do Louvre, regressei ao prédio com a cabeça a pedir descanso, e os pés, uma bacia de água gelada. Tenho andado muito, apesar do passe Navigo, e à minha volta o ruído de uma coisa ou de outra, sempre o ruído. Em Lisboa penso que há lugares silenciosos. Mas Lisboa, ao lado de Paris, é uma cidade de província.

No Louvre não se pode fotografar com flash, comer, beber, falar alto, falar ao telemóvel ou correr. Há indicações destas por todo o lado. De tudo o que atrás enumerei, só não vi correr. Os visitantes andam pelo Louvre como se andassem na feira do Relógio. A única diferença é que se lhes aparece uma peça bonita não perguntam o preço, fotografam. Fotografam-se, igualmente, com sarcófagos em fundo. E esfinges. E tudo o que seja grande.

Questiono muito a febre da fotografia. O que significa uma foto minha a sorrir com um sarcófago em fundo, ou fazendo um v de vitória, o mais possível ao lado da Vénus de Milo? Serve para mostrar que"estive lá". Mas os outros não acreditam? É que são fotos horríveis, atrapalham os outros visitantes, e imagino o aspecto dos objetos envidraçados saídos das desgraçadas máquinas de férias.

De forma geral, reina uma atitude de total desrespeito pelas peças enquanto símbolos ou elementos de cultura, e pela magnífica exposição que oferece o Museu do Louvre. A maior fatia de visitantes não vê coisa alguma, vai passando, apenas, e produzindo ruído. Nunca estive num museu de dimensões tão gigantescas e cuja exposição fosse tão significativa - consegui visitar apenas as alas Sully e Richelieu, nomeadamente peças das culturas grega, egípcia, etrusca, persa, e escultura francesa do século XVII e XVIII, mas volto no domingo. Na maior parte das salas todas as peças são importantes. Não há como não ver uma vitrine, ou como desprezar uma peça.

Para além de arte e antiguidades vislumbrei no Louvre dois momentos de beleza viva: os cabelos louros naturais, brilhantes, ondulados de uma jovem de nacionalidade incerta, e uma mãe ocidental, sentada num banco da arte oriental, amamentando longamente um bebé, com o seio completamente exposto, exceto o mamilo que a criança sugava. A mulher encostou-se à parede, cansada, e deixou a criança mamar livremente, segurando-a com um braço e apoiando-se no banco com a outra. Fiquei maravilhada, nos dois casos, primeiro porque já não há cabelos assim e segundo porque a mama cheia me chamou - também eu senti vontade de mamar. Mas que bela mama! E depois dizem mal dos livros do José Rodrigues dos Santos. Eu compreendo o homem!

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