Paris - diário de viagem 5

Canal St. Martin, no Bassin de La Villete, zona reabilitada nos últimos anos, e onde se situa uma das Paris Plage

Acordo dorida e cheia de nódoas negras, sobretudo nas pernas e braços. Bati com a coxa direita contra um torniquete no controle do acesso ao metro. Tenho aqui um belo rectângulo ainda vermelho escuro e dorido. E outros na canela. Enfim, muitas vezes não me lembro que bati nem como nem onde. Sinto-me quase sempre um carro de guerra.

Esta noite sonhei com o Farrusco. Por algum motivo já não tinha a Micas nem a Morena e resolvi procurar o Farrusco onde julguei que andasse. Sentia-me culpada de o ter abandonado. Tinha-o deixado com uma casota, mas não sabia quem o alimentava, e não me chegava perto, há anos, com medo da realidade. Não encontrei o Farrusco, apesar de tudo, embora me parecesse vê-los nos outros cães pretos.

O Farrusco é o cãozinho que veio de Moçambique e que está ao meu colo na foto do Caderno. Morreu envenenado em Porugal, um ano depois. Foi enterrado por mim na fazenda do meu tio, debaixo de uma bela nogueira que mais tarde abateram para cultivar aquela zona terra. A maior parte dos meus sonhos são sobre os meus cães passados e presentes.

O dia de ontem foi muito agradável. Encontrei-me com Gilbert e falámos imenso. Torturei-o com perguntas e repetições autistas. Fizemos um passeio no Canal St. Martin, desde a Bastilha até La Villete. O primeiro segmento da viagem é totalmente percorrido no interior de um túnel com algumas entradas de luz, circulares, onde cresceu vegetação, situadas ao nível do chão da rua que passa em cima. Medieval. Feérico. Invulgar.

Seguimos para o Quartier Latin onde finalmente encontrei os livros que procurava na Librairie Compagnie e na Gibert Jaune. Consegui adquirir, em segunda mão, e em belíssimo estado, por menos de 3 euros, a autobiografia de Mazarine Pingeot-Mitterand.

No café Reflet, já Gilbert ia no terceiro copo de vin rouge, Antinoo, cansado do dia, juntou-se a nós. Sugeriu jantarmos num restaurante etíope. Preparava-me para declinar quando Gilbert, luxurioso por via do álcool, acrescentou que se comia com as mãos. Não forneciam quaisquer talheres. Gilbert conhece os meus pontos fracos. A necessidade de economizar foi totalmente superada pelo desejo de viver esta experiência. E não me tinham contado tudo. No Restaurante Godjo, perto do Panteão, e de uma Igreja cujo nome não me lembro agora, mas os leitores saberão que é a que tem um foguetão apontado ao céu - Marie Geneviève, St. Geneviève?? - não só se come apenas com as mãos, como todos do mesmo prato de alumínio encaixado numa cesta de palha. Uma malga de comida para três, na qual todos nos debruçámos com as mãozinhas em riste, acompanhando uma garrafa de vinho Syrah. Fartei-me de dizer que em Portugal havia um vinho desta marca, e que se calhar era português, mas afinal não. Era uma marca francesa. Syrah deve ser uma casta. Tenho a certeza que alguém me escreverá a esclarecer este assunto. No final, com as mãozinhas limpas, pagámos 26 euros cada um.

Gilbert fechou a minha parte da noite dizendo que on a beaucoup rigolé et papoté. Perguntei-lhe o que era papoter, e explicou-me algo como "deitar conversa fora". Bahhh. Eu nunca deito conversa fora. Eles seguiram não sei para onde à procura de tangos. Eu apanhei três linhas diferentes de metro para conseguir chegar a casa. Uma senhora da minha linhagem tem horas.

A empresa Canauxrama gere uma frota de barcos de turismo que percorre o canal St. Martin duas vezes por dia em cada direcção. Há fotos a bordo, para quem não recusa,a 10 euros cada.


Entrada de luz vinda do Boulevard Magenta, no segmento inicial do cruzeiro no canal.

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