Tempos difíceis

Há uns anos achava que a D. Emilia tinha a mania da perseguição. Conversávamos sobre o país e ela avisava-me, Isabela, há coisas que não podemos dizer alto. Isabela, não assine nada, nunca se denuncie, não deixe rasto... Oh, D. Emília, por amor de Deus, não vivemos na ditadura. Isso acabou. São outros tempos. Não se sabe, Isabela. O mundo dá muitas voltas, e nunca adivinhamos o que nos vem bater à porta. Isabelinha, escute-me, olhe que eu trabalhei na Função Pública nos tempos do Marcelo Caetano, e sei bem como nos perseguiam, nos escutavam para a seguir nos chamarem aos gabinetes para interrogatório. Serviam-se de tudo para nos vigiarem. Qualquer papelinho que nos apanhassem, aqueles que no passado se tivessem mostrado... Mas, D. Emília, não estamos nos tempos do Marcelo Caetano. E continuei a comprometer-me a eito, a assinar por baixo, a dizer alto, a denunciar-me. É por isso que, da maneira que as coisas estão, não me admira que qualquer dia me apareçam uns homens vestidos de preto à porta, às quatro da madrugada, sem mandado de captura. Alguém pode negar que já estivemos mais longe?!

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