Essa terra já não existe


Descobri no Facebook um grupo de pessoas naturais de Lourenço Marques. Ao ler algumas das entradas, sobretudo comentários, lembrei o meu Amigo da Amora, que me dizia, no outro dia, "o que mais me irritava nos retornados é que chegavam a dizer que lá comiam camarões assim", e fez o gesto, à vontade uns 20 centímetros.

É verdade. Não conheço nenhum retornado, absolutamente nenhum, que não fale em camarões enormes.

E no FB, lá estão eles, partilhando palavras como tombazana (cerveja de litro, acho eu!), kanimambo, maningue; falando de mangas verdes com sal, galinha à cafreal e camarões grelhados com molho de limão, manteiga e piri-piri. Não é um grupo, mas uma irmandade. Pelos meandros, informação sobre escritores africanos na diáspora, poesia de Craveirinha e pintura de Malangatana. A ninguém ocorre que Craveirinha não podia publicar nessa altura, por que seria?, e que Malangatana pintava o que podia, não o que queria.

Ninguém fala dos negros, de forma geral. Como se aquilo tivesse sido uma terra só de brancos a comer camarão a todas as refeições. Num certo sentido, o deles, percebo que foi.

Os naturais de Lourenço Marques ousam ainda garantir um dia regressarão à sua terra amada. Não é um regresso qualquer - é voltar ao paraíso, à terra dos cocos, da marginal azul, verde, morna. É aspirar ao tempo de ouro em que se era jovem e se acreditava que a abundância e o conforto tinham vindo para ficar.

Não me parece mal que os naturais de Lourenço Marques se reúnam para partilhar as memórias, mas para seu bem convinha que percebessem que nunca terão de volta a Lourenço Marques que recordam. Não é que não gostássemos de os ver felizes, mas essa terra, tal como a recordam, não passava de uma foto retocada de onde se retirou o que incomodava, o que ninguém queria ver.

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