A acção analgésica do poder

Compreendo que Carlos Cruz queira saber o porquê de tudo isto? Entenda-se o processo Casa Pia. Eu também. Por que o acusaram, afinal?
Carlos Cruz adianta mesmo toda uma teoria da conspiração, aludindo a interesses ocultos. Não sou totalmente ingénua: é evidente que há por aí muito interesse oculto, ou seja muitas formas de matar coelhos para se chegar ao caçador. Mas, observando os arguidos deste caso, encontro uma disparidade que não me permite relacioná-los, a não ser em dois casos. Temos um prefeito, um médico, um diplomata, um apresentador de tv, um político, um comediante, o diretor da instituição, dois advogados... e penso, conspiração para chegar a quem e com que objetivos, se esta gente vem de áreas tão diversas? Liga-os o facto de terem mais ou menos a mesma idade e serem pessoas bem colocadas na vida, com status, credibilidade. Estaremos perante uma conspiração ideada por uma associação secreta de assalariados com o ordenado mínimo? Quem teria interesse em prejudicar este grupo de homens e porquê? Será que afinal nos falta saber que pertencem todos a uma rede mafiosa que outra teve a intenção de destruir pela porta dos fundos? Que máfias serão essas? E as vítimas do processo? Estão todas enganadas? Vêem todas muito mal e não usam óculos, pelo que não fizeram reconhecimentos fotográficos válidos, não viram nem viveram o que dizer ter visto e vivido, foram alucinações, esqueceram-se compulsiva e coletivamente, foram todos pagos para mentir? É que são 32 moços a mentir! Um deles dizia há pouco à repórter da RTP que os arguidos, mesmo inocentados, terão de adormecer com isto na consciência todos os dias da sua vida. Está enganado. Este tipo de pessoas não pensa antes de dormir.
Vamos estar atentos à leitura da sentença Casa Pia, na sexta-feira, mas rezo para não ter de testemunhar, mais uma vez, a acção analgésica do dinheiro, amigos e classe social sedando os impulsos de justiça. É que as prisões estão cheias de ciganos, negros e habitantes dos bairros sociais a traficar droga dentro como o fizeram fora, mas o crime, o verdadeiro crime, a sério, em grande, mantém-se indemne, no exterior do sistema prisional e por ele ignorado. Esse, nunca lhe cheira as paredes.

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