Dá-me um abraço, pai

O vídeo no qual a Ministra da Educação pede entusiasticamente aos meninos que se apliquem na vida escolar, fazendo o que os professores lhes pedem, dormindo boas noites de sono, comendo saudavelmente, e arranjando tempo diário para o estudo, tem chegado à minha caixa de correio de duas em duas horas. Ou seja, nas últimas 24 horas já mo enviaram 12 vezes. Vi e ouvi até ao fim, como me pediam, e nunca me deu vontade de rir.
Explicava hoje à minha prima afastada que continuo a não perceber qual o problema do referido discurso, visivelmente dirigido a um público do 1º ciclo - meninos e meninas que iniciam a vida escolar ou que já a iniciaram, mas são ainda, apenas, meninos e meninas A minha prima afastada exortou-me a explicar publicamente as minhas razões, embora já o tenha feito em resposta a alguns emails.
Fico com a sensação de que sou uma pessoa muito antiquada ou muito à parte neste mundo ou ambas.
Os pais já não dizem aos filhos que devem estar atentos aos professores, dormir e comer bem e fazer os trabalhos de casa? Quando os meninos chegam a casa reclamando que detestam contas ou gramática, não lhes explicam que a educação serve para desenvolverem as suas capacidades, ou seja, para as "ginasticarem", e que assim poderão tornar-se melhores indivíduos, cidadãos intervenientes e bons profissionais, podendo ajudar as outras pessoas?
Se não dizem isto, dizem-lhes o quê? Falam-lhes com o discurso dos Morangos com Açúcar? Usam jargão da pedagogia?
Parece que tive sorte em ser filha do eletricista da Matola. É que, enquanto fui criança, não se coibiu mesmo nada de falar comigo como com uma criança. Falava entusiasticamente e de forma paternalista. Não porque me tomasse como tola, mas porque sabia que eu não era adulta. Penso que as crianças devem ter o direito a ser tratadas como crianças. Isso não está consagrado na Declaração Universal?
Quando o meu pai falava comigo sentia-me muito segura e confiante. As suas palavras abraçavam-me e justificavam a importância da minha vida. Não creio que o discurso do meu pai tenha atrasado o meu desenvolvimento ou me tenha tornado numa espécie de Eusébiozinho de Os Maias. Tenho a língua demasiado afiada, e exprimo-me com honestidade, mesmo que as minhas ideias não se enquadrem nos limites do que a corrente de pensamento dominante considera aceitável.
Não me parece que vá falar com o meu futuro filho de forma muito diferente da dos meus pais. Se calhar também vou ser uma mãe à antiga, e abraçá-lo com palavras, e enchê-lo de beijos e lanches e mariquices de mãe superprotetora. Vou dar-lhe discursos como o da ministra, à titi, à madrinha do século XIX, como se o menino fosse tontinho. Se calhar vou, porque realmento quero mesmo que ele se alimente bem antes de ir para a escola, e que durma como deve de ser, e que estude e respeite os professores. E é provável que lhe explique tudo entusiasticamente e com os olhos muito abertos. Não faço a menor ideia, mas creio que vou tratar o meu menino, enquanto for criança, exatamente como penso que se devem tratar os meninos. Ou melhor, sem modernices.

Mensagens populares