Questões do nosso tempo 3 - Que futuro existe para os nossos filhos?




...Isabela, a grande questão é... a falta de horizontes; sonhos; causas... aos "nossos filhos"... - Nogueira

Confundo-me com a inversão de valores. Confundo-me, porque atenta à "miséria" do presente, questiono exacerbada, o que vai ser deste país num futuro próximo. - Maria

Será que vamos ter tempo para dar a volta a isto??? - Elisa

... aflige-me a incapacidade dos nossos governantes em resolver os problemas do País. - Salvador

A minha grande questão é se seremos capazes de educar as nossas crianças para que se transformem em adultos sensatos, coerentes e responsáveis e honestos. Serão eles que farão um mundo melhor, se as mentalidades forem mudadas. Hoje os educadores demitem-se desse papel e remetem-no para os professores e escolas. Está errado. A educação dá-se em casa, e sem ela nenhuma escola terá sucesso. Acredito que as coisas melhorarão se os miúdos de hoje forem bons Homens amanhã, mas terão os que têm a responsabilidade de os educarem essa capacidade e essa força? - Jacklyn

... por que é que é sempre o mexilhão que paga. - sem se ver


O mundo acabou realmente no ano 2000. Ou talvez tenha sido em 1997 ou em 2001 ou 2005. Foi por aí, mais segundo, menos segundo. Ninguém deu por nada, porque o planeta não explodiu, não colidimos com um asteróide, não ocorreu um sismo de dimensões incalculáveis, seguido de tsunami. Nada disso. O que ruiu, porque já estava podre, foram os alicerces de todo um sistema económico e político que sustentava uma vida rica em artifício, leveza e inconsequência, a diferentes níveis. O fim do mundo foi o fim de um mundo, e para mim foi um belo fim.

Durante muitos anos pensei que não conseguiria ser adulta. Sentia medo do dia em que teria de dar provas. Nunca compreendi as coisas do mundo: as relações de poder, a repartição desigual da propriedade e da riqueza, a indiferença relativamente ao sofrimento alheio, o fascínio pelos palácios, reis e princesas, a escravidão do trabalho, tal como o vejo exercer-se. Na minha papelaria, passei lá há pouco, vendem-se cerca de oito revistas semanais sobre a vida de pessoas colunáveis. Vende-se tudo. Há mercado para essas e outras. Quem são as pessoas colunáveis? O que nos interessa o seu aspeto, a decoração das suas casas, casamentos, gravidezes, batizados, traições, divórcios, funerais, heranças? O que fez essa gente na vida para sentirmos curiosidade pela sua vida privada? São excelentes profissionais na sua área? Salvaram vidas?

Nunca compreendi, por exemplo, o mês de férias tal como o gozamos. Trabalhar 11 meses que nem loucos, com os olhos postos num vindouro mês no qual se continuará a mesma roda viva, mas no inferno algarvio, para regressar ao trabalho louco por mais 11 meses, sempre me pareceu um ciclo vicioso absurdo. Lembro-me de pensar, teria uns 18 anos, eu não vou aguentar isto.

Não seria preferível trabalhar com moderação, horários mais flexíveis, e gozar férias quando fosse necessário, não apenas por cansaço, mas também porque pretendemos usufruir de outras coisas na vida? Uma pessoa como eu só poderá fazer uma longa viagem quando já não se conseguir mexer com dores nas pernas. Como é que posso, no meio de uma rotina de trabalho, como é a de todos nós, e sem me transformar num Edson Athayde, arranjar meio ano para conhecer a América Latina ou a a Ásia Central? É absolutamente necessário para a economia que nos estouremos ao longo de 11 meses de trabalho, seguidos de um de férias? O quotidiano terá obrigatoriamente que respeitar o esquema "levantar às sete, transportes, trabalho, almoço, trabalho, transportes, casa, telejornal e jantar, programa de televisão, cama, levantar às sete", ou haverá forma de não nos tranformarmos em indigentes fugindo a isto? Quem inventou esta receita de vida? A engrenagem? Eles? A máquina desconhecida pela qual nos habituámos a ser escravizados?

Eis outra interrogação que sempre me ocupou a mente: qual a diferença entre trabalhos forçados e um salário de 500 euros por mês que nos permite pagar consumos de 500 euros? Se me vir condenada a trabalhos forçados começo o mês com zero euros e acabo-o com a mesma quantia, sendo que pelo meio alguém terá providenciado as minhas necessidades básicas. Terei trabalho à força, com desagrado, mas não me preocupei com o almoço, jantar, alojamento, etc.

Se trabalhar "livremente" para ganhar 500 euros mensais, gastarei esse crédito em comida, transportes e alojamento, e terei de acrescentar o esforço realizado em horário póslaboral para transportar os sacos do supermercado, comprar o passe, entre outros. O resultado será chegar ao final do mês com zero euros mas mais esforço. Mas imaginemos que até consigo poupar 20 euros por mês. O objectivo dessa poupança será um consumo futuro, porque todo o trabalho tem como fim a possibilidade de um consumo. Ou melhor, cozemos pão e costuramos camisas para obtermos unidades de crédito que nos permitam comprar pão e camisas. Está visto que nunca compreendi aquilo a que se chama a economia de mercado e que o meu desprezo pela sociedade de consumo é quase indizível.

Não tenho nada contra um bom sistema, mas a este não lhe encontro utilidade. Não gera nada de bom, não nos torna mais felizes nem melhores. Se me chateia a crise? Nada. Eu quero mesmo é que isto rebente, para ver se dá para começar doutra forma qualquer.



O mundo que compreendo foi o da minha avó materna, que se levantava cedo para tratar dos animais, da horta e do pomar. Daí tirava que comer. Com algum rendimento da venda de ovos, couves e pêssegos comprava uma máquina de costura, na qual cosia as próprias roupas, ou regateava o valor dumas alpercatas para os filhos, dumas calças que durariam até o tecido se gastar, incluindo o dos fundilhos e joelheiras. Nada se desperdiçava, porque tudo tinha aproveitamento.

Mas, Isabela, isso é a economia agrária do Estado Novo. Lutámos para nos livrar disso. Era um atraso. E quem não tinha terra e tinha de trabalhar para outrém? Os operários? E no meio disso tudo como é que ias à escola, escrevias os teus livros e viajavas pela América Latina? Achas que a tua avó veio alguma vez a Lisboa?

Só me ocorre uma resposta: se a terra e o rendimento não se encontram divididos justamente, se os direitos de propriedade bafejam uns e excluem outros, com base em leis que regulamentam mas não pacificam, algo está muito errado desde há milénios.

Não passo de uma modesta professora de língua e literatura, mas sei que um mundo justo para os nossos filhos, um mundo em que não paga sempre o mexilhão, será aquele em que estaremos de novo mais próximos da terra, mais alheados da necessidade de consumo, menos obcecados com a propriedade, mais afeitos a uma existência modesta, mas autêntica.

Se calhar teremos muito pouco dinheiro, mas poderemos viajar e ser mais livres. Se calhar os nossos filhos não serão advogados nem gestores, mas talvez possam ser bons técnicos de ambiente, porque vamos precisar deles para consertar tudo o que o sistema vigente tem destruído. Se calhar serão canalizadores, eletricistas, técnicos de reparação de eletrodomésticos, técnicos de reciclagem, porque não podemos continuar a deitar fora cada máquina que se avaria ou cada sofá coçado. Precisaremos deles. Não existia nenhuma loucura de consumo quando eu nasci, e funcionava bem assim. Ainda uso peças do enxoval da minha mãe que viajaram de Alcobaça para Lourenço Marques, depois do Maputo para o cais de Lisboa num caixote de retornados. São lençóis e toalhas com 60/70 anos. Na minha casa não se deita fora o que não está irremediavelmente estragado, e não se adquire sem necessidade.

Portanto, algures entre o mundo da minha avó e as necessidades de conforto do nosso tempo estará a medida certa para o futuro. Não importa quanto dinheiro terão os nossos filhos, mas se poderão usufruir de uma vida pacífica e proveitosa que não se vejam obrigados a carregar como um fardo. Não me parece que seja pior do que o que temos.

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