Um maluco com cúmplices

A arte trata bem os malucos. Dão belas personagens em livros e filmes. Os malucos trazem à acção uns ventos de liberdade total, desobediência e irresponsabilidade, esse paraíso que perdemos. Na arte, admiramo-los, estamos do seu lado e somos os bons. Os outros, os que lhes atiram baldes de água fria, se riem do que diz, os desprezam, são os maus.
No nosso dia-a-dia os malucos são elementos perturbadores, indesejáveis. Eu, então, por quem eles sentem uma atração fatal, sou uma vítima. Não sei o que me leem na testa, mas deve ser qualquer coisa como "estás lá quase".
No meu bairro há um maluco. Um homem de meia idade, que em nada se distingue dos outros, a não ser que caminha pela rua gritando impropérios aos vizinhos, ao governo e a Deus. Apresenta uma boa construção sintática, mas quando insulta estala as consoantes explosivas, arrasta as fricativas e prolonga as sibilantes. De maneira que uma asneira saída da sua boa vale por três ou quatro.
Ocorre-me falar hoje dele porque estava no supermercado a falar sozinho, muito alto, contra alguém indefinido. O argumento era que ninguém gostava dele, porque dizia a verdade. E dissertava sobre o assunto. Dali derivou para a problemática da sua superioridade mental relativamente aos outros mortais, sendo que revelou que até já conhecia os números da sorte grande desta semana. Divulgo os primeiros três caso alguém queira aproveitar: nove, três, quatro. Juro que não fixei o resto, não só porque desatámos todos a rir, mas porque escolhi ganhar a vida com o suor do meu stress. Uma senhora ainda lhe disse, ó vizinho, se o senhor sabe o número, guarde-o para si e, amanhã, em vez de vir você às compras, manda um criado.
Enquanto isso, a senhora atrás de mim na bicha, com uma túnica toda dourada e preta, disse-me, e anda por aí de carro, veja lá, e passa as noites a beber.
Que ele anda por aí de carro sei eu, que o vejo ao volante atirando insultos a tudo o que mexe. Pára no meio da estrada para falar sozinho. Não sei é se a PSP sabe, e por razões de saúde alheia, convinha que este senhor, cujo nome e morada desconheço, vendesse o carro e andasse mais a pé. Parece-me grave que os vizinhos não avisem as autoridades. Pessoalmente, considero que ao dar-se algum acidente envolvendo este senhor (desconheço como ainda não aconteceu), os vizinhos deverão ser tão responsabilizados como quem testemunha um acidente na estrada e não pára para prestar auxílio. Este é um daqueles casos em que convém estar do lado dos maus.

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