Autobiografia

Estimo o que tenho: paz e vida modesta. Percebo que a formulação contém certos laivos salazaristas, contudo não consigo evitá-la. Estimo a minha vida: vivo em paz, sem estardalhaço, sem manias. Não tenho piscina, conto os tostões, mas levo-a bem.

A vida, para mim, já esteve pior. Houve um tempo em que não tinha casa nem pais nem terra. Hoje, para dizer a verdade, tenho tudo o que desejei nesses dias. Tenho até o que não desejei, nem sonhei, embora me falte um par de construções sociais que cheguei a incluir no meu projeto de vida. Mas um projeto significa literalmente uma projeção de algo que poderá eventualmente existir, não é uma realização, logo, depende das marés. Não se pode ter tudo. Isto não se constitui como um mero lugar-comum - é uma verdade universal.

Um aluno acusou-me de ingenuidade porque defendo que a satisfação com o que fazemos é mais importante que o salário que auferimos. Não pretendo convencê-lo do contrário, embora possa explicar-lhe o meu ponto de vista. Não dou catequese a ninguém. Basta-me viver de acordo com as minhas crenças, edifício da minha identidade.

A minha mãe considera-me demasiado inocente para este mundo, e o meu agente literário, o Sr. José Simões, quando lhe falei ontem do livro que estava a planear escrever no próximo mês, olhou-me nos olhos, riu-se, e disse, "a menina é mesmo sonhadora". Ficou entre o divertido e o incrédulo. Entre o "esta gaja é gira" e o "esta gaja é louca". Lá me respondeu, "projetos, isso são só projetos; falamos quando o tiver escrito". Não foi má resposta.

A minha ideia é a seguinte: se sou tão ingénua, inocente e sonhadora como afirmam, como consigo eu sobreviver num mundo tão inchado de mentira e estratégia?! Há duas respostas: ou não sou tão tonta como me pintam ou a ingenuidade, a inocência e o sonho me protegem da vileza humana.

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