Nunca leio textos de amor


O meu amor mandou-me uma carta tão bonita que quase chorei. Fiquei pensativa o resto da tarde, com um entusiasmo triste, como nos dias em que de repente nos acontece o que mais desejámos, um filho, um curso aprovado, uma crónica de jornal com um toque de génio, não existindo com quem partilhar um riso, um abraço, um "viste?!". Um sucesso torna a solidão mais só. Que interesse pode haver em vencer-se prova sobre prova se não temos testemunhas? Ninguém nos olhará com orgulho. Ninguém nos dirigirá uma palavra de apreço e afeto, por isso esqueçamos o acontecimento e retomemos a vidinha, como se todos os copos estivessem arrumados na prateleira habitual.

A caligrafia do meu amor continua magra, mas mais certinha. Amadureceu. Escreveu-me que já falta pouco para acabar o contrato. Prontamente regressará de Leste, mais ano, menos ano. Pediu-me que esperasse. Que não mudasse de carro, de casa, de trabalho, porque virá. Quando regressar, prometeu-me, voltaremos a passear de mãos dadas pela serra como se fôssemos miúdos, mas mais sábios. Voltaremos a beijar-nos com ternura e desejo, atos que julguei não repetir. Fiquei a pensar o que seria voltar a beijar esse homem distante, e senti a humidade da sua boca, o cheiro dela, que nunca mudou, como se nos tivéssemos separado ontem. Essa evocação tão intensa do desejo, o seu corpo, deixou-me tonta.

Dir-me-ão que foi uma pena desperdiçar a minha vida esperando por um homem que tem passado os anos ausente, trabalhando longe. Não concordo. Não houve alternativa. As pessoas têm sempre resposta muito fácil, mas eu sabia que não existia outro homem na minha vida. Era este ou nada. Não há sempre, algures, outro amor à nossa espera. Não existe necessariamente mais do que um amor, ou, pelo menos, não existe para todos.

O meu amor escreveu-me que está para chegar o dia em que virá ajudar-me a acabar de criar o meu filho, e que leremos o jornal diário juntos, enquanto tomamos o café da manhã. Fechei os olhos e vi-nos abraçados nesse cometimento. Dirão, ah, que parvoíce de adolescente. Talvez seja, mas não podem imaginar como este sonho me alenta.

Respondi-lhe logo. Disse-lhe que aguardo a sua volta com ansiedade. Que imagino que não possa ser amanhã, mas que venha no dia em que puder. Que o aguardo. Que tenho a chave debaixo do tapete. Que se sente na sala à minha espera. Pode ligar a televisão e fazer café.

Não devíamos ter sonhos destes passados os 40 e muitos, mas isto não é um sonho, é a verdade, e por muito que eu envelheça, o meu amor parou no tempo. Não tem idade.

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