Imortal

Em Moçambique, obviamente, também se comia bolo-rei com fava e brinde, o que infelizmente acabou por cá. Quando afirmo que toda a vida fui portuguesa, e que um colono, a menos que se tivesse enfiado pelo mato e cafrealizado, toda a vida era português, olham-me com algum espanto. Mas era assim.

O meu pai adorava o ritual da fava, e eu, quando era pequena, ria-me. Quando regressou a Portugal, tinha eu quase 22 anos, a fava continuava sendo assunto de grande importância na mesa de Natal. Quem teria obrigação de oferecer o próximo bolo-rei? A certa altura decidi fazê-lo provar o seu veneno. Localizava a fava na parte de baixo do bolo, na lateral, ou camuflada entre frutas e fazia com que lhe saísse, recorrendo a cálculo e previsibilidade incipientes. Era fácil tirar-lhe as referências: entre a cereja cristalizada e o figo ou mesmo por baixo da pêra ou a um centímetro da laranja, do lado da melancia. Saía-lhe sempre. Mesmo quando era ele quem encetava o bolo. Conhecia-o bem demais, podendo antecipar a fatia que escolheria para si, e não me custava extrair a fava e voltar a inseri-la por baixo.

Deixava-se enganar facilmente. Ou colaborava. Divertíamo-nos muito e eu tenho saudades das materialidades do nosso amor tão imortal.

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