O que revela o teu lixo?

Penso que isto queira dizer que a senhora deixou o saco fora do contentor num dia em que não havia recolha daquele tipo de lixo.
O saco continha papel e identificaram-na vasculhando-o. A cidadã queixa-se que invadiram a sua privacidade.
A modernidade alterou a nossa relação com muitos objetos, pelo que tudo tem de ser repensado em permanência. Antigamente despejávamos o balde do lixo diretamente no contentor. Agora separamo-lo em sacos. Cada saco de lixo é propriedade privada?
O lixo é íntimo. Quem o vasculha fica conhecendo a nossa vida de forma privilegiada. Aquilo que consumimos, deitamos fora, e a forma como deitamos fora é um outro bilhete de identidade.
Há uns tempos, uma revista de jornal de domingo pedia o lixo de personalidades públicas, fotografava-o e listava-o. Era engraçado analisar o lixo não orgânico de Madonna. Lembro-me que tinha muitas garrafas de água Evian.
Não queria que ninguém analisasse qualquer tipo de lixo saído da minha casa, mas com que tenho real obsessão é mesmo com a papelada. Não só a rasgo miudamente, como sou capaz de dispersar um recibo antigo por três sacos de plástico que coloco em três contentores diferentes. Imaginar alguém, num vasadouro, lendo o que corresponde à minha vida privada é um pensamento deveras insuportável.
O lixo é, portanto, privadíssimo, porque o lixo revela também o que não dizemos ou mesmo o que não sabemos sobre o que somos. As agências de informações analisam sacos de lixo como forma de obter informações, bem como as polícias forenses.
Vejamos agora outro aspecto passível de atribuir uma natureza pública ou privada a um saco de lixo. Enquanto está na minha cozinha, o meu lixo é propriedade privada. No momento em que o abandono num contentor camarário ou no chão, perto, emito uma declaração que diz o seguinte: embora estes objectos me tenham pertencido, abdico deles a partir deste momento, delegando na câmara o destino a dar-lhes. O meu saco do lixo deixa, então, de me pertencer, e torna-se propriedade pública, municipal. Enterrem-no, triturem-no, queimem-no, produzam energia a partir dele, não é comigo. Doei-o. É a partir do momento em que o doamos que temos de nos preocupar com o que poderá revelar. Se o lixo não é nosso será de quem o apanhar. Logo, não podemos queixar-nos relativamente a uma eventual violação de privacidade. Convém acautelá-la antes.
Outra questão: vasculhar o lixo de quem não o depositou corretamente procurando uma identificação é pidesco? O meu corpo está todo tentado a dizer que sim. Contudo, pensemos nisto: uma cidade como Lisboa tem de gerir milhares de quilos de lixo diariamente. Não queremos ruas sujas nem a cheirar mal. Deve haver uma razão para que o regulamento municipal contemple uma recolha de lixo por dias/substâncias. Falta de espaço para diferentes contentores, eventualmente. Quem vive na cidade tem de conhecer as regras estipuladas para a sua área e tem de as cumprir, tal como cumpre os regulamentos relacionados com barulho. Exigem-se comportamentos cívicos e ecológicos mínimos para não vivermos mergulhados em porcaria.

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