Tomas conta de mim

Costumava puxar as unhas ao meu pai, como se lhas quisesse arrancar. Acontecia no cinema, se me enervava, ou enquanto aguardava que terminasse a conversa com os amigos. Acontecia em todos os lugares, porque o corpo do meu pai e o meu eram um só, e as suas mãos me pertenciam tanto como as minhas. Ele dizia-me, pára com isso, rapariga, mas ria-se, porque o alegrava, de um saber não percebido, que os nossos corpos fossem um só. Pára com isso que me arrepias. E eu parava, contrariada.

Revendo as suas fotos, a sua gentil e terrível figura que a minha caprichosa memória guarda inteira, incomoda-me a falta do seu corpo que as imagens registam. As mãos e a pele que beijei, que me pertenciam, evaporaram-se. Nada restou senão o roupão de seda azul que guardo na arca que veio de Tete. Nada e eu. Nada e a memória. Nada e uma presença sem corpo que me enche a casa, o tempo e a dor.

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