Ele nunca a amou

Sra. Kendal - O Frederik diz que o senhor gosta de ler. Livros, portanto...
Merrick - Estou a ler o Romeu e Julieta.
Sra. Kendal - Ah. Julieta. Que história de amor. Eu adoro histórias de amor.
Merrick - Se eu fosse o Romeu, sabe o que faria?
Sra. Kendal - O quê?
Merrick - Eu não lhe teria chegado o espelho ao hálito.
Sra. Kendal - Está a referir-se à cena em que Julieta parece que está morta e o Romeu põe um espelho à frente da boca dela para ver...
Merrick - Nada. O que é que se vai pensar de uma pessoa que se suicida só porque não vê nada?
Sra. Kendal - Bem, a minha experiência como Julieta - especialmente com um actor que não vou agora nomear - é eu ali deitada morta, morta, morta, e ele a lamentar-se demais, e eu a pensar que se este canastrão não vai buscar esta tirada às entranhas tout de suite eu grito, levanto-me da tumba e espeto-lhe o punhal naquele coração empata-cenas. Os Romeus são muito falíveis.
Merrick - Porque ele não gosta da Julieta.
Sra. Kendal - Não gosta?
Merrick - Ele toma-lhe o pulso? Vai chamar um médico? Certifica-se? Não. Suicida-se Ele deixa-se iludir porque não gosta dela. Ele só gosta de si próprio. Se eu fosse o Romeu, teríamos fugido juntos.
Sra. Kendal - Mas depois não haveria peça, Sr. Merrick.
Merrick - Se ele não a amava, porque haveria de haver peça? Olhar para um espelho e não ver nada. Isso não é amor. Era tudo uma ilusão. Quando a ilusão acabou, ele teve de acabar com a vida.
Sra. Kendal - Mas isso é extraordinário.
Merrick - Antes de me dar com pessoas não pensava nestas coisas porque não havia ninguém que se desse ao trabalho de pensar nas coisas que eu pensava. Agora as coisas saem-me da boca verdadeiras.

Bernard Pomerance, O Homem-Elefante

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