Das mamas
Falta-me uma paciência para certa literatura! Aqueles lirismos pseudointelectualóides que lia nos anos 80, pouco me dizem. Paro nos sublinhados que fiz nesses tempos. Mas por que sublinhei isto? Por que é que isto foi importante para mim?
Tornei-me tão crua. O senhor Simões acusa-me de ser abrupta e de ter inaugurado um novo subgénero literário, a que chama "literatura de talho". Diz ele que cada talho português deveria ter uma foto minha em lugar de destaque.
Hoje fui a uma livraria procurar a última obra de um grande autor português, muito recomendado. Comecei a ler as primeiras páginas e abandonei-o. Não suporto que chamem seios às mamas de uma mulher. Sinto que me roubam identidade sexual, que me domesticam. Não quero ter seios. Sou uma mulher com um corpo pejado de cicatrizes e desejo. Sou uma mulher a quem um dia, um cão, arrancou a orelha direita. Procurei-a no chão enquanto o sangue me escorria pelo pescoço e encontrei o bocado de carne, cheio de terra e lixo. Pousei-a na mão aberta e perguntei-me, agora como é que vou coser isto?