Ler não é importante

No início desta semana falei para vários adolescentes do concelho do Almada sobre livros e leitura. Expliquei-lhes por que tinha começado a ler - só havia livros e telefonia no lugar onde nasci; como é que a leitura me tinha prendido - uma personagem ou uma situação agarravam-me (e fiz o gesto), vencida a resistência inicial que as primeiras páginas por vezes constituem; por que é que a leitura continuava a fascinar-me - e esta parte foi mais difícil, sendo o público muito jovem, porque é difícil explicar a emoção de pegar num livro, folheá-lo, apreendendo os pormenores das ilustrações e grafismo, e sobretudo a constante renovação de saber que os livros me proporcionam. Após tantos anos de leituras, os livros continuam a oferecer-me respostas para questões com que me debato e para outras que entretanto se geraram. Está tudo lá. O que sempre quis saber e ninguém pôde esclarecer-me, bem como aquilo que ainda não sei que um dia buscarei.
Contei-lhes que tinha escrito o meu primeiro texto quando tinha uns 11 anos, e que se chamava As mãos. Não me lembro do seu conteúdo, apenas do título. Que tendo lido já alguma coisa, nessa idade, considerei-me capaz de imitar os outros - e que a necessidade de escrever os meus pensamentos e sentimentos nunca me largou, sendo que esse treino foi aperfeiçoando em mim a capacidade, como em qualquer ofício. Contei-lhes, ainda, que me tornei professora de Português por três motivos: gostar de ler, gostar de falar sobre o que leio e sentir-me muito bem entre os jovens.
Disse-lhes que sabia que alguns deles detestavam a ideia de ler, mas que essa relutância podia ser vencida se escolhessem livros divertidos, segmentados em textos curtos, e dei exemplos, ou se lessem poesia (e dei e li exemplos).
Sentia-me muito cansada, nesse dia, por isso falei devagar e com muita verdade. Era muito eu. Não o meu eu eufórico.
Infelizmente, não preparei suficientemente esta sessão, por falta de tempo, e acabei por me esquecer de uma mensagem fundamental para os adolescentes que não gostam de ler, e cuja atenção me interessava prender: não gostar de ler não é um drama! Não temos que ser todos devoradores de livros. Há muitas outras coisas interessantes para fazer na vida. A leitura não faz de nós melhores pesssoas, tal como a inteligência em nada contribui para esse efeito. Comecei a dar aulas em 1985, portanto já me passaram pelas mãos milhares de alunos. Alguns deles nunca gostaram de ler, nunca leram mais do que o obrigatório, e não são piores adultos que os ratos de biblioteca. Mais importante do que ler um bom livro é viver e morrer com a certeza de que fizemos aquilo que contribui para o bem geral, e que, em consciência, considerámos que deveria ser feito. Foi isto que me faltou dizer aos meninos das escolas de Almada. Espero não me esquecer da próxima vez.

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