Não te trates

Mas a menina não pode andar com essa depressão. O que despoletou isso?
Não sei doutora. Talvez ter perdido muito peso em curto espaço de tempo. Talvez ter largado os antidepressivos...
Largado os antidepressivos, nunca, ouça, nunca! Que irresponsabilidade.
Doutora, não mos aviam sem receita e eu não tenho horário para vir ao médico.
Tem de arranjar, porque a saúde está primeiro. Vai já levar daqui medicação e um atestado de quê?, um mês?, quinze dias? Se calhar, quinze dias, para começar.
Doutora, desculpe-me, agradeço muito, mas neste momento nem de dia e meio; justifique-me só a falta de hoje, se faz favor.
Então mas o que é que a menina faz?
Sou professora.
Oh, doutora, não pode ser... nem pense nisso... tem de descansar. Dez dias, vá.
Entra o segurança com as guias dos próximos doentes.
Josélio, temos aqui um caso inédito: uma funcionária pública que não quer atestado...
Riem-se ambos. De mim.
Sabe, doutora, é que se eu não for à escola os meus colegas têm de trabalhar a dobrar para me substituir. Isto agora é diferente. E eu prefiro ir trabalhar. Não gostamos de ver ninguém a fazer o serviço que nos compete.
Mas a doutora está doente... precisa de descansar. Leva dez dias de atestado e não se fala mais nisso.
Calo-me. Amanhã apresento-me ao serviço. Um dia e só porque o azar, desta vez, bateu forte.
E livre-se de me aparecer cá outra vez nesse estado, doutora. Lave-me esse cabelo, pinte-me essa cara, ponha-me umas unhas de gel, um baton. Quer ver o meu?
Tira o baton da mala, levanta-se, enfrenta o espelho e pinta-se.
Fica-me bem, não fica?
Fica, doutora, fica. A receita já tem o antidepressivo, não tem?

Mensagens populares