Os filhos que não tive

Agora os bebés morrem por asfixia em berços tecnológicos ou estrangulados pelos cabos da câmaras de vigilância, para que possam ser socorridos em caso de asfixia.
Eu passei os meus primeiros meses de vida numa alcofa de palha acolchoada manualmente pela minha mãe, e não consigo lembrar-me se me senti asfixiada. Não sei de que morriam os bebés em 1963, mas imagino que fosse de fome, de infeções, de abandono ou pancada.
Jesus, por exemplo, nasceu num estábulo, e nos estábulos cresce esterco. Um estábulo é um sítio quentinho para se nascer.
Sempre que estive grávida incomodava-me a ideia de ter de parir num hospital, numa maca, de pernas abertas. As amigas aconselhavam-me, olha a tua idade, olha as complicações, mas eu só me imaginava de gatas, vergada pela dor, gritando e contorcendo-me em qualquer sítio, um estábulo, uma casa de banho pública, um talhão de terra e ervas. Eu sempre quis parir como uma cadela vadia.
Na minha condição de mãe sozinha, imaginava como sobreviver às noites da forma mais confortável possível, sempre que o bebé chorasse, pedisse colo, mama, tivesse dores, enfim, as coisas dos bebés que nem me passam todas pelas cabeça, admito. Estava tudo pensado: ia comprar uma caminha de cão, depositá-la no chão, do meu lado da cama, e aí dormiria a criança: se chorasse, bastaria erguer-me, tomá-la nos braços, acalmá-la, dar-lhe a mama e ir dormitando enquanto se saciava. Não tinha eu vivido os meus primeiros meses de vida numa caminha de cão com folhos cor de rosa?
A maternidade foi, para mim, um desejo, um impulso animal sem regras. O desejo sensual de lamber as crias, de as mordiscar, de segurar nessa minha carne e pensar, esta é a minha carne, não se extinguiu. Mas o meu corpo tratou de me lembrar que sou falível, e que muito tarde, na minha vida, foi tarde demais.

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