Espécies de felinos

Festival Literário da Madeira: as pessoas que escrevem livros
[Fotos de Luís Ricardo Duarte]

Raquel Ochoa


Sandro William Junqueira


Atendi.

Isabela, ainda bem que atendeu. Estava a ver que não conseguia falar consigo.
Senhor Simões…
Já sei que a menina se portou muito bem no Funchal.
Ah, obrigada. Podemos falar disso amanhã? Estou aflitíssima com…
Isabela, você nasceu para isto. Eu sempre tive o feeling, quando a apanhei ainda você não tinha onde cair morta e passava a sua vida entre a reunião do 8º5 e a do 10º2. Fez contatos, como eu lhe pedi?
Falei com a maior parte dos escritores, sim.
Escritores, Isabela?! O que lhe interessam escritores? Acha que lhe promovem a carreira? Eu digo Imprensa, livreiros, membros do Governo que possam adquirir edições suas para distribuírem pelas bibliotecas das juntas de freguesia…
Mas, senhor Simões, um encontro destes é para os escritores se conhecerem e falarem. Não contam apenas as mesas, as comunicações.
Oh, menina, escritores é quanto mais longe melhor… Falar de quê? De que é que andou a falar com escritores? Não andou a contar nada sobre o nosso próximo livro, espero, os nossos projetos?
Não, nada, como aliás o senhor me tinha avisado.
E nada de aproximações aos Alfaiates do Livro. Os gajos são perigosos. Cuidado, que eles têm olho, e agenciam, não sei se me está a perceber.
Estou, senhor Simões, estou a perceber muito bem.
Pois. Mas de que é que menina gostou mais, vá, vá, conte-me lá essas partes de que vocês, mulheres...
Para lhe dizer a verdade, foi de estar sossegadinha no meu quar…
Isabela!
Foi de estar sossegadinha no meu quarto a escolher a roupa que ia vestir e a pensar que ia descer para a sala de conferências onde ouviria comunicações interessantes e falaria com pessoas muito bonitas.
Ummm… Então e que pessoas?
Olhe, a Raquel Ochoa, o Pitta, o Sandro William Junqueira, o Paulo Ferreira, o Rogério Sousa, a Inês Pedrosa, o Zink, a Diana Pimentel, o Paulo Sérgio Beju, o Afonso Cruz, o Mário Zambujal, a Patrícia Portela, a Graça Alves…
E essas miúdas já têm agente?
Quais miúdas? A Inês Pedrosa, por amor de Deus…
As outras, menina, as outras…
Ah, não sei, mas devem ter. A Diana Pimentel é da universidade…
Mas são miúdas novas, giras?
Sim, tudo mais novo que eu, uns amores, sem manias nenhuma, ainda um bocado envergonhadas, mal acreditando que são escritoras. Sabe, eu gosto de pessoas assim, senhor Simões, que se mantêm sempre gente.
E já têm pespegos?
Pespegos?!
Namorados, maridos, amancebamentos, esses acessórios que julgam que mandam nelas, que andam sempre atrás a controlá-las?
Também não sei. Como é que quer que eu saiba uma coisa dessas? Não perguntei. Calculo que tenham. São muito bonitas, aliás.
Bem, passe-me os contatos que logo vejo como é que me arranjo.
E mais?
O Leão da Rodésia.
Leão da Rodésia?!
Sim, um escritor que eu não conhecia, que nasceu na Rodésia mas de lá saiu com poucos meses…
Quem?
O Sandro William Junqueira.
Ah, já ouvi falar. É da Caminho. Escreve bem?
De certeza que escreve, senhor Simões.
Já leu?
Ainda não.
Então?!
Percebe-se logo pela forma como anda, fala, mexe as mãos, pelo desenho dos lábios, pela sua caligrafia ligeiramente infantil que deve ter uma escrita intensa e lírica.
Isabela, eu já lhe expliquei que escritores com escritores não dá. Do que você precisa é de um homem que lhe trate da casa, das cadelas, do carro, das compras, do IRS enquanto você escreve. Não se vire para os intelectuais.
Está bem, senhor Simões, eu também só estava a tentar mostrar-lhe o género de escritor que me pareceu ser.
E mais?
O Afonso Cruz.
Ah, esse já é quase um Lobo Antunes.
Sim, mas com este consegue falar-se. Adorei ouvi-lo. Falou sobre as suas viagens pelo Oriente na senda de escritores cujas leituras o maravilharam. Falou da Síria, sobre comer no chão com os árabes, sobre túmulos de poetas, e enumerou escritores desconhecidos cujos nomes tive de escrever foneticamente, porque não conheço nenhum. Senti que não li nada, que nada conheço.
A Isabela tem de facto muito para aprender.
E é um homem tão calmo, tão doce. Eu teria ficado horas a falar com ele. Vive no Alentejo. Eu imagino-o escrevendo e desenhando numa quinta com aroma a rosas e a jasmim, e quando as crianças o vêm perturbar ele pega-lhes ao colo com um sorriso…
Ai, Isabela, ai, ai. E esse tal Beju, o que é que ele faz? Tem agente?
É artista plástico. Ilustra para o valter hugo mãe. Sei lá se tem agente. O senhor, desculpe a franqueza, mas não é capaz de olhar para as pessoas, apenas para o negócio que pode fazer através delas.
….
O Beju é poderoso. É o que lhe posso dizer. Poderoso. E místico. Tem qualquer coisa que pertence à terra e está, ao mesmo tempo, fora dela.
Isabela, faça-me um grande favor.
Diga.
Não se ponha com essa história de eleger mister e miss FLM. Não se ponha com revelações desse teor no blogue ou seja onde for.
Mas, porquê? Qual é o problema?
É uma vergonha. Ninguém faz isso. Põem-se a troçar de si e não é bom para a sua carreira.
Senhor Simões, o bilhete de identidade e o espelho revelam-me que tenho quase 50 anos - já atingi um patamar da existência em que posso dizer o que me apetece – amadureci, não morri.
Isabela, vamos lá ver uma coisa…
Hoje, desculpe, senhor Simões, mas não vamos ver mais nada, que eu tenho trabalho até às 4 da manhã e o senhor já me está a roubar tempo.
Isabela…
Até amanhã.


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Afonso Cruz


Patrícia Portela



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