A minha ex II




Não me ouvia verdadeiramente. Não dialogava. Colocava questões muito breves. Como se sentiu nesse momento?
Ao falar, fingia por vezes preocupação com os meus sentimentos, uma voz mais doce, mais baixa, mas não passava do exercício da sua profissão. Não é que não gostasse de mim, mas eu era apenas uma entre muitos. Pagando o que pagava, merecia bem esses 45 minutos de atenção.
Projetei nela toda a minha insatisfação e descrença.

Quando interrompi unilateralmente as sessões precisava de parar de pensar em mim, em mim. Estava na altura de experimentar viver um bocado. Quando cheguei a essa fase já ela me tinha ajudado muito. Viver?! Desejar meter-me na vida, parar de trabalhar para esquecer que existia?!

Embora na altura acreditasse que não passava de mais uma forma de atirar dinheiro à rua, foi importante o trabalho das sessões. E foi importante parar. Precisei de confirmar que valia a pena arriscar, ter medo, sobreviver-lhe, duvidar, desejar, hesitar, confirmar, negar, perder, ganhar, eventualmente, se apanhasse alguém desatento. Valeu a pena.

Não sou a mesma. Tinha uma fenda de alto a baixo, como uma árvore que cresceu depressa demais, e mantenho-a - como uma árvore que cresceu depressa demais. Está aqui, mas posso despir-me, mostrá-la. Querem vê-la? Toda do lado direito. Funda. Podem tocar-lhe. Está sarada. Enfim, será sempre uma pele incerta, mais frágil, mas tem a sua beleza, não tem? Acho-a muito bonita, e, sobretudo, não sinto necessidade de a esconder, como antes. Já consigo vê-la ao espelho. Consigo rir-me. Às vezes digo-lhe, olha que hoje pareces uma bocado mais aberta, não vais engolir-me, pois não?

O trabalho da psicanálise demora muito tempo.

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