A minha ex




Quando terminei as sessões de psicanálise fi-lo abruptamente. Decidi não ir mais e penso ter quebrado um protocolo qualquer, mas nunca fui muito dada ao protocolo.

Estava zangada com a minha terapeuta, porque todos os dias me perguntava por que estava zangada, e não queria falar disso, nem tinha consciência dessa zanga. Cheguei a dizer-lhe meia dúzia de vezes que não tinha coisa alguma a dizer sobre o assunto. Que o que considerava injusto, e me irritava profundamente, era que ela pudesse alterar horários e datas de sessões, aos quais eu me adaptaria, mas que, por outro lado, demonstrasse uma razoável inflexibilidade quanto a mudar o horário das sessões a que eu não pudesse comparecer por imperativos profissionais: reuniões de avaliação, por exemplo, ou horários em início de ano letivo que colidiam com os das sessões, sendo que eu as pagava mesmo que tivesse tentado mudá-las antecipadamente. Não era uma relação de iguais.

Deve ser uma relação de iguais? Segundo o protocolo, não faço a menor ideia, mas, para mim, sim.

Afinal ela tinha razão, e eu estava mesmo zangada, mas na altura não lho sabia dizer. Hoje, porque penso tanto em voltar a fazer psicanálise, julgo que a minha zanga era essa: nunca foi uma relação de iguais: eu tratava-a por doutora, ela por Isabela. Ela sabia tudo sobre mim, eu, apenas o seu nome. Não faço ideia se era casada, solteira, se tinha ou não filhos, qual a sua idade. Era o vazio. E isso incomodou-me, embora tivesse lutado contra. Havia uma enorme distância entre nós. Eu tinha contra ela algum preconceito de classe, uma vez que a imaginava uma senhora burguesa, enquanto eu não passava da filha do eletricista.

Procurava vestir-me bem e usar o vocabulário mais correto cada vez que tínhamos sessão. Passei quase cinco anos a tentar mostrar-lhe que era bem melhor do que ela podia pensar, que tinha classe, que não era preciso ter um apelido da alta para se ser inteligente e de bom género.

Se tivemos uma relação, foi esta, e, mais uma vez, tudo criado por mim, pelas minhas fraquezas.

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