Um episódio muito antigo da série Fama



Na rua chamavam-lhe o Lunático. Não tinha cabeça para os estudos, era órfão de pai, estrábico, muito alto e magrinho, e operário da Lisnave. Frequentava a casa da tia Ju, em Cacilhas, porque na sua ainda não havia televisão, e ele gostava de ver a Fama aos domingos à tarde.

Sentava-se ao meu lado direito, no sofá vermelho, sem pedir licença, enquanto a tia andava lá dentro a mexer na cozinha, na máquina de lavar, na de costura.

Não era simpático. Não dizia nada que me interessasse. Era bruto que nem duas portas. Não tinha educação nem valores. Um calhau ambulante que conseguia pintar barcos a spray, pendurado num andaime.

Começou a pousar a mão nas minhas pernas e eu deixei. Porquê? Sabia-me bem uma mão sobre as pernas. Pousava-a na minha coxa, e com os ouvidos atentos à televisão e à cozinha, e os sentidos concentrados nessa mão sem nome, sem dono, permitia que me acariciasse, me fosse levantando a baínha da saia para me tocar os joelhos, a dobra dos joelhos, devagar, com os ouvidos bem atentos aos passos da tia, ele sempre subindo enquanto o Leroy se zangava com a professora de Inglês e saía batendo a porta.

O Lunático não significava nada. Não estava à minha altura. Nem existia. Que tonto.

Eu não tinha qualquer valor para os outros homens. Servia para alguma coisa ter um palmo de cara? Nada. Não correspondia ao que se esperava de uma beleza da série Fama. Não existia. Que gorda.

Ali estavam dois enjeitados sem uso, sem futuro, como dois automóveis bastante amolgados, o tonto e a gorda, passando os olhos por uma série de televisão com jovens lindos e talentosos, vidas interessantes, enquanto a mão do bruto lhe chegava à vulva, a tocava, a circundava com um, dois dedos, como sabê-lo?, e ela ia abrindo as pernas aos tratos mágicos que folheavam, apertavam os pequenos lábios, penetrando-a aos bocados - e cada vez mais fácil, vencida sem guerra, vinha-se em silêncio, sem respiração, enquanto a mão sem dono e sem nome se desembainhava devagar, sem uma palavra, um olhar, enxugando-se nas calças de ganga enodoadas, sempre as mesmas, que tresandavam a fêmea desde a semana anterior.

E lá de dentro a tia perguntava, meninos, querem lanchar?

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